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BUSH, NOBEL DA PAZ

por André Carlos Salzano Masini *
publicado em 04/02/2004.

Era só o que faltava: agora indicaram George Bush para o prêmio Nobel da Paz. E não é mal-entendido, não. O tal indicado não é algum religioso desconhecido, que consagrou a vida à filantropia, mas que, por infelicidade, foi batizado com o mesmo nome do raivoso ocupante da Casa Branca... Não. O indicado é mesmo o Bush que bem conhecemos.

Do jeito que as coisas estão indo, daqui a pouco vão querer premiar o "seu Creysonn", do Casseta e Planeta, com o Nobel de Literatura; o Maguila, pugilista, com o Nobel da Física; e o dr. Sócrates, ex-jogador do Corinthians, com o título de Miss Universo... A única dificuldade será escolher o "Nobel da Honestidade", pois além dos naturais candidatos tupiniquins: Jorgina de Freitas, Lalau, Rocha Mattos, Fernandinho Beira-Mar... há os fortíssimos concorrentes estadunidenses, a começar por Dick Cheney e a quadrilha do próprio Bush...

Os tempos em que vivemos são mesmo estranhos: "paz" parece significar "guerra", "bem" parece significar "mal", e "vergonha" parece não existir.

A Fundação Nobel nasceu da herança do químico e engenheiro sueco Alfred Nobel, inventor da dinamite. Ele disse em testamento que sua fortuna deveria ser usada para a criação de uma fundação e que essa fundação deveria oferecer anualmente prêmios para aqueles que "produzissem os maiores benefícios para a humanidade". Ele especificou cinco áreas para os prêmios: física; química; medicina (ou psicologia); literatura e, por último: "para a pessoa que tiver feito o maior ou melhor trabalho pela fraternidade entre as nações, ou pela abolição ou redução dos exércitos e forças armadas...". É esse o prêmio que pretendem dar a George Bush!

Tal proposta é não apenas imoral, mas um crime no sentido estrito da palavra. Conceder o Prêmio Nobel da Paz a um semeador de guerras como Bush, significa simplesmente usar dinheiro de um testamento para fins diametralmente opostos aos fins para os quais o dinheiro deveria ser usado... ou seja, um crime.

A absurda indicação de Bush foi possível por ter sido feita segundo as "normas" do Comitê Nobel Norueguês... Ironicamente sempre houve "normas" para justificar as maiores barbaridades da história da humanidade: a escravatura, o holocausto, o genocídio dos povos das Américas... O fato é que, burocracias à parte, a indicação de Bush é um insulto à Paz, à verdade e à vontade de Alfred Nobel; e, portanto, as "normas" do Comitê Nobel Norueguês estão erradas e devem ser mudadas.

Os Prêmios Nobel de outras áreas (que estão a cargo de instituições suecas) têm sido concedidos segundo critérios rigorosos e cristalinos. Os méritos dos premiados têm sido invariavelmente reconhecidos de forma quase unânime pelas autoridades internacionais nos respectivos campos. Apenas o Nobel da Paz tem sido diferente, muitas vezes atendendo mais a conveniências políticas ou interesses, do que à vontade de Alfred Nobel, ou a possíveis "benefícios para a humanidade".

A espúria indicação de Bush partiu de um político norueguês chamado Jan Simonsen. Simonsen não passa de um oportunista qualquer, sem relação direta com o Comitê Nobel Norueguês; e o Comitê -- que solicita enfaticamente que não se publiquem os nomes de indicados -- provavelmente ignorará essa indicação. Mas ignorar não basta.

A indicação de George Bush -- que não conhece outra linguagem senão a da força bruta; e que através de mentiras forçou uma guerra torpe e causou a morte de milhares de civis inocentes -- para o Prêmio Nobel da Paz é um golpe na credibilidade da Fundação "Nobel" e do nome "Nobel". Portanto o Comitê Nobel Norueguês deveria rejeitar publicamente essa indicação, e modificar suas regras para que tais brincadeiras não sejam mais consideradas indicações.

O Comitê Nobel Norueguês já cometeu muitos erros no passado e precisa urgentemente definir seu rumo, pois, do jeito que as coisas vão indo, não estará longe o dia em que irá conceder prêmios ao "Pai da Antropologia", o nobre, leal e abnegado preservador de culturas Francisco Pizarro, ou ao "Pai da Concórdia e da Tolerância", o sereno e equilibrado Adolf Hitler.

[Veja o testamento de A. Nobel: http://www.nobel.no/eng_com_will2.html]


Sobre o Autor

André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.

Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.

contato: andre@casadacultura.org

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