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A corrida

por Airo Zamoner *
publicado em 24/01/2004.

Os carros se alinharam na largada. Os motores roncaram e as rodas eram garras ciscando o asfalto na ânsia de pular à frente. Luzes vermelhas, avisando o momento crucial, iam se apagando uma a uma. A qualquer ínfimo instante as verdes se acenderiam e o podium aguardaria os vitoriosos.

Alisson lá estava, realizando sonho antigo. Juntara centavo por centavo durante a vida toda e finalmente ouvia o estrondo alucinante das máquinas prestes a dispararem pela pista. Bem que gostaria de ter vindo com dona Cotinha que também acalentara o sonho, mas ela ficou pelo caminho e nem deixou um filho. O importante é que agora ele está ao lado daquelas máquinas incríveis, ouvindo o som alucinante.

De repente, tudo pára!

Carros muito diferentes um do outro, pilotos mais preparados e pilotos menos preparados. Alguns mais ágeis e competentes, outros menos ágeis, menos competentes. Um deles é paraplégico, coitado! Carro adaptado. E agora, tudo pára!

O aviso que ecoa pelos espaços, sobrevoando a multidão nas arquibancadas, é que não se pode ter uma largada dessas com tantas diferenças entre os corredores. Há uma injustiça a bordo. Como fazer com que os mais fracos saiam atrás e os melhores à frente? É preciso reparar a injustiça da desigualdade. E como fazer isso? É a pergunta que incomoda as consciências.

Decepcionando a platéia pagante que apupa, e mais ainda o pobre Alisson, todos deixam seus carros. A reunião começa com alguém fazendo o inventário das diferenças observadas. As perguntas ecoam pelos boxes. Que justiça haverá nos resultados se temos carros melhores competindo com piores e estes justamente são os que largam atrás? Como sermos justos se enfileiramos pilotos mais preparados com os menos preparados? E menos preparados porque não tiveram iguais oportunidades? Os mais ágeis precisam largar atrás dos menos ágeis para compensar a diferença que a natureza lhes impôs. O mesmo para os menos competentes. Estes precisam largar mais à frente para compensar sua própria incompetência. Não são culpados, apenas não tiveram as mesmas chances. E o paraplégico, coitado? Como poderá competir em igualdade de condições com os pilotos atletas? Haverá que ter algumas centenas de metros compensatórios.

Alguém mais afoito se intromete, rogando por tantos pilotos ausentes, cheios de vontade e competência, mas que não tiveram recursos suficientes para criarem suas equipes, seus carros, seus patrocinadores. Como admitir a justeza de uma corrida com tantos alijados por falta involuntária de recursos? Haverá que se encontrar uma solução para que todos possam ser compensados e estarem perfilados na largada, respeitando-se e compensando suas diferenças.

E nesta hora Alisson não parava de pensar em Dona Cotinha. Mas as luzes vermelhas, indiferentes a tudo, lá estavam, apagando-se inexoravelmente, uma após a outra. O intervalo esticado, longo. A vida de Alisson, lenta; o barulho dos motores, distorcido. Os gritos da arquibancada, roucos, arrastados, como lentos passaram a correr o relógio e as luzes.

Nada, porém, havia parado de verdade. Os pilotos de todos os tipos, competentes e incompetentes, ágeis e lentos, preparados e despreparados, com muitos ou poucos recursos, com motores imbatíveis ou medíocres estavam ali, ávidos e desesperados para largar. Nada de reunião, nem discussões sobre justiça ou injustiça. Quanto aos ausentes, azar o deles. A verdade é que em poucos segundos estariam pisando fundo, ignorando suas diferenças e competindo desesperados para chegar ao sonhado podium. Tal e qual no começo da vida, ignoraram as diferenças dos competidores na corrida da fecundação. E naquele podium celular só caberia um único vencedor. Os demais, derrotados, deveriam morrer impiedosamente. Negou-se a discussão sobre diferenças, sobre justiça, sobre compensações. Foram justamente elas, as diferenças, as definidoras do vitorioso. Não se levantou a voz contra os injustiçados que ficaram no caminho e morreram sem conhecer a glória. A natureza é rude nesta hora, já dizia Dona Cotinha. É despótica. Valoriza impiedosamente o melhor e manda às favas os derrotados.

E Alisson, que passou a vida reunindo centavos, podia assistir maravilhado as luzes verdes se acendendo, o ronco dos motores explodindo tímpanos. Podia vibrar com os melhores, os mais ágeis, os mais competentes, os mais preparados. E foram eles que chegaram ao podium, aplaudidos, comemorados, endeusados.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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