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Escritores e outros famosos colhidos pelas redes de uma cidade mitológica

por Chico Lopes *
publicado em 26/05/2009.

Há muitos livros do gênero "bastidores de Hollywood" (um dos mais recentes é sobre os amores de Marilyn Monroe, cuja alma já muito atormentada em vida ninguém deixa descansar em merecida paz; outro, sobre Hitchcock, é mais sério, mas tem sido visto como uma espécie de prova consumada de que o grande cineasta era um neurótico sádico). A maior parte desses livros é assim mesmo: visa um público ávido de baixarias que nunca cessa de crescer, oferece o prato imundo da fofoca ou da devassa de uma vida particular enfeitado com um algum glacê sociológico ou psicanalítico: qual machão era secretamente "gay", o que tal ou qual astro preferia na cama, que segredos infames de manipulação e falta de caráter escondia tal ou qual celebridade etc.

O público nunca se cansa de consumir essas coisas e as editoras de produzi-las: é um filão editorial garantido, pois nada interessa mais à massa do que saber que seus ídolos tão amados e invejados não passam de gente falível, ordinária, pervertida, infeliz, doente, cruel, enfim, que, para alívio geral, é tudo "gente como a gente". Este é o grande consolo dos medíocres, dos ressentidos, dos que estão condenados à insignificância e ao anonimato eterno. É sempre doloroso para os "ninguéns" que formam a vasta massa cinza e anônima do mundo que haja gente bem-sucedida e feliz sem alguma espécie de punição. A marca mais distintiva da mesquinhez é a incapacidade consumada de conviver com a felicidade alheia, seja ela real ou apenas presumida.

Para sair desse panorama triste, nada como ler um livro decente, adulto, bem informado, um pequeno clássico do jornalismo cultural produzido pelo jornalista (americano, nascido em Boston, apesar do nome) Otto Friedrich. Formado em História por Harvard, no jornalismo destacou-se por uma grande temporada de prestígio na Alemanha, em Paris e Londres. Foi editor do "Daily News", da "Newsweek" e do "Saturday Evening Post". Créditos impressionantes, portanto, não lhe faltam.

BRECHT E OUTROS CATIVOS

Tudo que em geral se sabe sobre Hollywood - e o que de pior se suspeita - é, em grande parte, fantasiado pela mídia interessada em vender seja lá o que for, do mais exaltante ao mais infame. Em "Cidade das redes", livro que foi lançado há bastante tempo no país pela Cia. das Letras (477 páginas) e que com sorte se pode achar nos sebos, encontra-se outro perfil de jornalista: Friedrich é um desses raros profissionais que saem em busca da verdade e nunca registra o que lhe pareça duvidoso ou excessivo - confia na inteligência, na perspicácia, na sensibilidade do leitor. Na capa do livro, Alan Ladd está num de seus cartazes clássicos, sob o rosto de Veronica Lake, no filme "noir" "Alma torturada". No interior, nada é apelativo, apenas inteligente, comedido e tratando de coisas que não farão as delícias dos fofoqueiros sádicos de sempre.

"A cidade das redes" é Hollywood, que Friedrich remete a "Mahogany", cidade imaginária criada por Bertolt Brecht. Não é nada casual: Brecht foi dos muitos escritores, dramaturgos e intelectuais que, fugindo do nazismo, acreditaram poder encontrar abrigo na Hollywood dos anos 40 (este é o subtítulo do volume) - abrigo e, mais do que tudo, sobrevivência, já que todos vinham para a América à beira da ruína. Brecht tentou ser roteirista de cinema, mas era europeu, culto, politizado e teatrólogo demais para isso - esbarrou em toda espécie de incompreensão e espanta a sua ingenuidade em não entender de cara que cinema não era para ele.

Mas, há mais: Heinrich Mann, autor de "O anjo azul", respeitadíssimo na Alemanha, irmão de Thomas Mann, foi para Hollywood para ir morrendo aos poucos, de tanto beber, acompanhado por uma mulher que também aos poucos foi se tornando alcoólatra, deprimida e aniquilada. O irmão famoso foi mais feliz - seus romances fizeram sucesso de crítica e público. Mas, fez por ignorar o sofrimento da família.

Thomas Mann sai um pouco chamuscado em sua imagem, com esse livro. Seu caráter fica nos parecendo duvidoso - ficamos com a impressão de que era apaixonado demais pela própria glória. Tanto que roubou descaradamente outra celebridade, o compositor Schoenberg, que amargava o exílio, como os outros. Mann tirou dele subsídios para compor seu personagem Adrian Leverkuhn, músico do romance "Doutor Fausto", e usou-as no livro sem nem citar o compositor, que morria à míngua porque não se vendia a um sistema avacalhado. Um reconhecimento de Mann o teria auxiliado financeiramente, no mínimo.

Quanto aos compositores célebres, não acaba aí: Stravinsky ficou enojado com o que Walt Disney fez de sua "Sagração da Primavera" em "Fantasia", colocando a música como pano de fundo para uma luta de dinossauros no célebre desenho animado. Mas, claro, como todos, ele precisava de dinheiro e tinha que engolir seus pruridos estéticos. Hollywood sempre calou todos os pruridos estéticos (e morais, em outros casos) que pôde à base de dólar e sucesso, estranhando profundamente quem não quisesse ficar rico.

O ÓDIO TOTAL DE WILLIAM FAULKNER

O que há de mais interessante neste livro é que os personagens mais fortes e martirizados são escritores, compositores e intelectuais de um nível muito alto, que permaneciam em Hollywood como exilados em mais de um sentido - é doloroso notar a que eram levados artistas e pensadores autênticos e valiosos para sobreviver enquanto artistas nada grandes, na verdade não mais que estrelas de brilho pouco duradouro, nadavam em dinheiro e facilidades. O livro funciona como um libelo contra o filisteísmo. O dólar filisteu escraviza Stravinsky e Schoenberg, mata Heinrich Mann e a mulher, mas há integridade indestrutível em muita gente, de modo que ele não pode tudo.

Há - surpresa - integridade entre as estrelas. É patente, por exemplo, a de Ingrid Bergman, que foi deixando meio ingenuamente que o público criasse dela uma imagem de quase santa, mas, cansada de um casamento falido e hipócrita, foi viver com Roberto Rosselini na Itália, num escândalo que fez a puritana América mantê-la na geladeira por muitos anos. Em tintas trágicas, Rita Hayworth nos aparece como uma pobre mulher de grande caráter oprimida pelo "star system" (que seguidamente a moldou e confundiu) e por uma série de casamentos equivocados. Mas, tinha fibra - nem a pressão sórdida de fuxiqueiras medonhas como Louella Parsons e Hedda Hopper fazia com que a íntegra Rita falasse mal de seus ex-maridos, especialmente o mais famoso deles, Orson Welles.

Os escritores que tentavam se transformar em roteiristas eram os que mais sofriam. O destaque vai disparado para William Faulkner, que odiava cada minuto passado em Hollywood, para ele uma terra de "adoradores da Morte". Faulkner precisava de dinheiro, mas ficava numa posição difícil, só suportando Hollywood a porres federais, porque o que desejaria mesmo era ficar isolado em sua terra natal, no Mississipi, mas os contratos o prendiam. Resultado: foi roteirista duvidoso, fez pouco, e, entre seus amigos, estava o diretor Howard Hawks, que ouviu bem seus preciosos conselhos para "Uma aventura na Martinica" (Hawks era particularmente inteligente, nesse aspecto, mas tinha um perfil até aristocrático com relação ao resto). É patética, no entanto, a história da maneira como o escritor, que não entendia nada de cinema, foi levado a ver como era um filme, e a atração era "O campeão", um dos melodramas mais chorões daqueles anos. Faulkner saiu da sessão desesperado, enojado, querendo vomitar, não acreditando que teria que escrever para a tela aquele tipo de coisa. Mas não havia remédio, por isso ele enchia a cara e sumia, refugiando-se em sua casa no Sul para escrever a literatura que lhe interessava, e, no entanto, tinha que voltar, ainda que a rigor nem fizesse muita coisa e matasse o tédio em Hollywood com mais e mais bebida.

Uma historinha acontecida com ele ilustra bem o abismo entre a cultura real e a Hollywood vulgar: Faulkner vai para uma pescaria com um amigo, que está em companhia de um ator bigodudo. Lá pelo meio de uma conversa informal de homens devidamente "durões", o escritor fica sabendo que o tal ator nunca lera um único livro em toda a sua vida. "Verdade?", se espantou Faulkner."...Pois eu escrevo livros!". "Não diga, Sr. Faulkner.O senhor é escritor, então?" "Sim, senhor. E o senhor, quem é?" "Sou ator. Sou Clark Gable..."

O maior escritor e o maior ator de Hollywood nunca tinham ouvido falar um do outro.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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