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As tramas de Poe

por Luís Augusto Fischer *
publicado em 18/01/2009.

Escritor norte-americano, cujo bicentenário de nascimento se comemora amanhã, abriu caminho para o leitor moderno -a quem é preciso ao mesmo tempo capturar e manter desconfiado- e para o seu respectivo autor -que concebe a própria vida como obra


Tem um Poe para o gosto de cada tipo de leitor moderno: tem o policial de certos contos, o racionalista dos comentários, o filosófico amalucado de "Eureka", o frio e calculista da "Filosofia da Composição", o psicanalítico de outros contos, até o sensacionalista das polêmicas, além do herói romântico de vida errática e intensa. A 200 anos de seu nascimento, essas facetas estão cada vez mais nítidas, numa obra nunca totalmente traduzida para o português, que soma milhares de páginas repletas de interesse, por qualquer desses lados. Não custa aumentar a lista com mais este: morreu com apenas 40 anos, e em circunstâncias ainda hoje não esclarecidas.

Morrer aos 40 quer dizer o seguinte: se Machado de Assis houvesse morrido nessa idade, não teria escrito nada a partir das "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e do primeiro volume de seus contos excelentes, "Papéis Avulsos", e isso inclui nada menos que todos os seus maiores romances e contos; se Jorge Luis Borges tivesse morrido aos 40, não teria publicado nem mesmo "Ficciones" e "El Aleph", quer dizer, nada do que produziu de maduro e fez sua fama mundial.

Edgar Allan Poe nasceu em Boston, Massachusetts, em 1809, e faleceu em Baltimore, Maryland, em 1849. Perdeu pai e mãe, ambos atores itinerantes, aos dois anos de idade; foi criado por um comerciante rico (de quem incorporou o sobrenome Allan), com quem teria relações conflituosas na juventude. Viveu a meninice na Inglaterra, entre 1815 e 1820, estudando na antiga metrópole de seu jovem país.

Destacou-se nos estudos, mas não cursou senão um ano na universidade, de volta aos EUA. Foi soldado e chegou a entrar na academia de West Point; mas seu temperamento e seu comportamento (endividou-se com jogo, bebia muito) o impediram de seguir carreira militar. Viveu sua vida adulta com grandes dificuldades econômicas (seu pai adotivo não lhe legou nada), sempre trabalhando em jornais e revistas; e tinha desde cedo a convicção, várias vezes expressa, de ser um gênio.

Lembrar Machado e Borges como termos de comparação não tem nada de gratuito. O incomparável escritor brasileiro (1839-1908) cita Poe desde 1866; cita-o poucas vezes, mas o suficiente para expor sua proximidade com aspectos centrais da criação de Poe, além de sua tradução de "O Corvo", poema-símbolo do escritor norte-americano.

Borges (1899-1986), então, nem se fala: cita-o inúmeras vezes, escreve analiticamente sobre ele, identifica-o como um ponto de apoio para suas concepções de arte. Em certo momento, dirá que foi Poe quem inventou o leitor moderno, o leitor desconfiado a quem é preciso ao mesmo tempo convencer (atingindo a famosa "suspension of disbelief", que Poe aprendeu com seu mestre-mor, o poeta e ensaísta S.T. Coleridge) e manter tenso, manipulando as frágeis linhas da palavra escrita.

Não foi Poe o único inventor desse novo leitor, claro; certamente teve o grande auxílio de outro gênio, agora francês, não por acaso seu leitor fiel, Charles Baudelaire, tradutor de Poe para a grande língua de cultura letrada do século 19 ainda nos anos 1850, e responsável, por isso, pela enorme divulgação de sua obra Ocidente afora. Foi Baudelaire que formulou o problema, com carinho e rispidez simultâneas, no sintético verso que resume a filosofia moderna do tema: "Leitor hipócrita, meu semelhante, meu irmão".

Poe não foi tão longe no juízo sobre o novo leitor, mas abriu o caminho. Sua já mencionada "Filosofia da Composição" (1846) anuncia a tese-síntese da literatura que quer capturar o leitor -escrever tendo em vista um efeito previamente deliberado, o que exclui o espontaneísmo e a intuição-, aquele leitor que já não vive nos palácios e sim na rua, que não é o aristocrata vivendo da renda da terra e, portanto, ocioso, mas sim o burguês correndo atrás da grana, com tempo curto. Pelo mesmo caminho, Poe defendeu o conto contra o romance, como um sinal dos tempos, não como decadência, sendo nisso um pragmático; mas não levava livre o mau gosto da burguesia de seu tempo, tendo-a mesmo atacado num texto de grande originalidade, a "Filosofia do Mobiliário".

Tudo isso aparece pela primeira vez claramente em sua obra, mas ele segue os passos de certa família de ensaístas que já se preocupava com estes temas -o papel do leitor, a irrelevância da literatura que não fala diretamente ao leitor, assim como a importância do autoexame público por parte de quem escreve, o que inclui a revelação de bastidores da concepção. Quem antes dele? A linhagem recua pelo menos a Montaigne, citado em interessante passagem de sua "Marginália", coletânea de palpites, reflexões rápidas, confissões, crítica social e filosofia, e certamente passa pelos ensaístas ingleses do século 18. Gente do tipo que simultaneamente sabe de sua condição crítica superior -"Para apreciar completamente uma obra de gênio é mister possuir toda a superioridade que serviu para produzi-la", anota Poe- e sabe das imensas dificuldades de levar a cabo uma obra exigente.

Entre fato e ficção

Talvez por isso, e dadas as condições objetivas de sua vida, Poe inventou outra modalidade de autodivulgação: a mistificação. Por intuição ou por cálculo, ele se promovia como se soubesse que o artista moderno é sua obra e ele mesmo, neste mundo-celebridade. Certa vez, mentiu (por escrito) sobre suas experiências, dizendo, numa autoapresentação para uma antologia de poesia, que muito jovem havia se dirigido à Grécia, para lutar pela independência daquele berço do Ocidente (como Byron), mas no caminho acabara desviando para a Rússia, onde teria vivido intensas experiências. Tudo mentira -mas dava charme.

Essa estratégia de ultrapassagem entre fato e ficção rendeu bem, em termos artísticos: em várias passagens de sua obra contística vamos encontrar alegações de realidade (manuscrito encontrado pelo autor, por exemplo), assim como na obra ensaística haverá momentos de pura ficção (como na carta reproduzida no ensaio "Eureka", datada de 2848!). Como tantos depois, Poe borrou os limites entre gêneros, padrões literários, estatutos ontológicos.

Que ele seja mais famoso pelo lado gótico, enigmático e histriônico não estranha, porque isso também existe em sua obra; como Baudelaire, ele também foi revelado ao leitor brasileiro mais pelos aspectos gritantes e menos pela vigorosa dimensão crítica. Mas aí estão grandes leitores, como Freud e Lacan, a mostrar que aquele interesse artístico de Poe nos mecanismos do sonho e da fantasia prenunciava o caminho futuro da arte, caminho não por acaso balizado, não custa lembrar, pela lógica profunda do capitalismo, que seu país se preparava para liderar. Mas Poe não é profeta trivial; como outros românticos destemperados e tocados pelo senso da originalidade -me ocorrem dois exemplos desiguais mas não aleatórios, Glauber Rocha e Qorpo-Santo-, sua obra diz mais do que ele intentou, e por isso continua viva.

Sobre o Autor

Luís Augusto Fischer: Luís Augusto Fischer (Novo Hamburgo, 25 de Janeiro de 1958) é um escritor, ensaísta e professor brasileiro.
Nascido em Novo Hamburgo, Fischer vive em Porto Alegre desde o seu primeiro ano de vida. É formado em Letras pela UFRGS. Cursou também História, mas não concluiu. Tem mestrado e doutorado (com tese sobre Nelson Rodrigues) também pela UFRGS, onde leciona Literatura Brasileira desde 1985.
Escreve regularmente para vários jornais, como Zero Hora, Folha de S. Paulo e ABC Domingo (de Novo Hamburgo). Também colabora com as revistas Bravo! e Superinteressante. Entre 1993 e 1996 foi coordenador do Livro e Literatura da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre. De 1998 a 1999 foi presidente da Associação Gaúcha de Escritores.
Tem publicados vários livros de contos, crônicas, ensaios e teoria literária. Seus maiores sucessos de vendas são o Dicionário de Porto-Alegrês (1999) e o Dicionário de Palavras e Expressões Estrangeiras (2004). Em 2005, publicou seu primeiro texto de ficção mais longo, a novela Quatro Negros.
Desde 1999, juntamente com o professor Cláudio Moreno e a radialista Kátia Suman, Fischer organiza o Sarau Elétrico, evento que acontece todas as noites de terça-feira no Bar Ocidente, sempre com leituras de textos em torno de um tema ou de um autor, e que se tornou uma referência para a cultura de Porto Alegre.
Em 2007 recebeu da Secretaria Municipal de Cultura o Prêmio Joaquim Felizardo, como Intelectual do Ano de Porto Alegre.

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