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Grande elenco não salva filme da mediocridade e comédia romântica sobre tema polêmico.
por Chico Lopes
*
publicado em 31/12/2008.
Tudo isso torna evidente que o filme, baseado num best-seller de Susan Minotti que pouca gente parece conhecer, é um daqueles em que o elenco feminino é que dá as cartas. Porque a parte masculina, confiada a dois atores desconhecidos como Patrick Wilson e Hugh Dancy, fica mesmo de escanteio. Não pela desimportância dos personagens, mas pela fraqueza da dupla.
A história é a de Ann (Vanessa Redgrave), matriarca de uma família de mulheres (as duas filhas são Richardson e Collette) que está morrendo. Em torno de seu leito, as filhas, uma casada e mãe e a outra uma solteira perdida e insegura, preocupadas, se revezam e notam que ela já está senil: em seus delírios, começou a falar de estranhos fatos de seu passado, citando um nome, "Harris", que parece ser o do homem que mais amou. Naturalmente, o filme irá contar essa história de amor e transcorrer em flash-backs, indo ao passado e voltando ao presente, sem novidade técnica alguma no uso deste recurso. Mas, a quadradice do projeto pouco incomodaria se a produção empolgasse. Não empolga, e, pior, todo o convencionalismo desse tipo de filme com abordagem sentimental de relações de família e "lições de vida" que incluem feminismo banal e "grandes mulheres corajosas" emerge com força. Os clichês fluem aos borbotões.
Vanessa Redgrave é um monstro sagrado e é sempre ótima de ver, mas o resto não ajuda. Claire Danes, interpretando-a quando jovem, entra em cena e não sai mais, para desânimo do espectador - ela é bonita, mas não convence. Pior: interpreta uma cantora e, por narcisismo, parece não ter sido dublada. Como sua voz (se aquilo for a sua voz) é um desastre, quase destrói a belíssima "Time after time", que canta seguidamente, para desespero do espectador de bom ouvido. Tem mais: o tal "Harris", objeto de seu amor, do amor de sua amiga rica (Mamie Gummer) e do irmão desta (Hugh Dancy), é uma espécie de Kevin Costner aguado, o ator Patrick Wilson, que nos deixa intrigados por despertar tantas e tão problemáticas paixões: é um tipinho insípido demais e a gente começa a achar, por aí, que a história não faz sentido. Ou o trio de apaixonados é debilóide ou cego ou o amor é uma estupidez e as memórias de Redgrave, uma sandice - não há muita alternativa.
A história se passa em Newport, entre milionários (Glenn Close, à frente deles, parece uma máscara) e, para não desobedecer ao lugar-comum, são pessoas chatas, entediadas e antipáticas. Buddy (Hugh Dancy) é o rebelde da família, bebe muito e parece um daqueles chatos "problemáticos", filhinhos de papai e arrogantes inúteis que se acham donos da verdade; a interpretação de Dancy é a pior possível, seu personagem nunca convence, e até quando sugere homossexualidade não assumida, com sua paixonite por Harris, cai mais no grotesco do que em outra coisa. Lastimável. Quanto à sua irmã, a filha de Meryl, é a cara da mãe e talvez faça alguma carreira, mas seu personagem é ingrato, reprimido, infeliz, amargo por fazer aquilo que não quer fazer e ela atravessa a primeira parte com cara de prisão de ventre. Só melhora mesmo quando a própria Meryl, como a mãe, assume o papel mais tarde (é uma das ironias involuntárias do filme). É, aliás, graças ao encontro final entre Meryl e Redgrave, que o filme ganha algum interesse momentâneo. Meryl, com sua arte, consegue tornar qualquer diálogo respeitável, mas o que diz, ao sair da casa da amiga doente, é puro clichê, do tipo "a vida é assim mesmo e somos todos criaturas misteriosas" etc e tal. Não teria sido preciso ver o filme todo para ser premiado com esses preciosos chavões.
Esse tipo de produção malsucedida apela sempre para uma lágrima ou outra ou para uma canção que todo mundo gosta, para ir tropegamente avançando. A fotografia também ajuda, é muito bonita, e, de vez em quando, como o diretor é fotógrafo, é tudo que a produção tem a oferecer. A gente contempla aquelas visões de lindos cartões postais de beira-mar numa espécie de êxtase sonolento e esquece a história. Infelizmente, logo depois, ela volta, e toca agüentar um pouco mais de Danes, Dancy, Wilson & Cia., esperando que aquilo melhore. Melhora muito pouco. Quem quiser, que arrisque ver.
CORPOS À VENDA E AUDREY TAUTOU EM VERSÃO ATUAL DE AUDREY HEPBURN
Uma boa pedida para quem gosta de comédias românticas é sair do trivial americano e ver o que de vez em quando aprontam os franceses, dentro do gênero. É o caso de "Amar...não tem preço" ("Hors de prix"), produção francesa de 2006 dirigida por Pierre Salvatori. O filme atrai primeiro pelo nome de Audrey Tautou; ela é a estrela mais popular da França na atualidade, e, com aquela carinha irresistível, que se eternizou em "Amelie Poulain", vale ser vista não importa em que filme esteja. Em "Amar...não tem preço" contracena com Gad Elmaleh, ator marroquino, bom comediante, de rosto expressivo como poucos; com olhos enormes e cândidos, está perfeito no papel de um homem ingênuo e pobre apaixonado por uma prostituta de luxo.
Pois é de prostituição que o filme trata, e, aliás, teria caído na mera desfaçatez se não fosse tão bem dirigido e não criticasse a sociedade atual, onde ela está tão entranhada que já não causa nenhuma espécie de indignação.
Elmaleh é um garçom de um grande hotel chique (aliás, o filme todo destila aquele encanto típico dos ambientes de luxo, em que a riqueza e opulência parecem produzir êxtases religiosos) e, nesse mesmo hotel, hospeda-se uma bela mulher jovem, Irene, que ele conhece meio ao acaso. Depressa perceberá que, para ela, só dinheiro, muito dinheiro, importa. Vive sustentada por homens de meia-idade, tipos já naquela fase em que tudo que resta é "aproveitar" o que podem ser as últimas ereções antes que a velhice se instale de vez. É "manteúda" em alto estilo, gasta o dinheiro de seus protetores perdulariamente, e, aliás, o cartão de crédito é um símbolo do filme. Tudo é levado em tom de comédia, mas carrega um potencial de embaraço doloroso, na tradição do cinema francês, que nos lança na cara certas verdades as mais duras sem embelezá-las.
Essa Irene composta por Tautou é prostituta assumida, doa a quem doer, e vai doer é no coração do garçom, que tudo fará para sustentá-la. Só restará a ele se prostituir também, e a uma mulher de meia-idade muito rica que precisa de um, digamos, acompanhante. É terrível, mas parece ser o trivial dos velhos e ricos, pois Irene diz bem claramente a ele: "Temos a coisa mais preciosa, para eles...". "O quê?". "A juventude..." Imagine-se isso, nos cenários da atualidade que todo mundo conhece, onde a aparência conta mais que tudo e onde o mais desenfreado sensualismo é tomado por amor e acaba em amargura porque está condicionado apenas a contas bancárias, e, pronto, entenderemos toda a degeneração de que esse filme trata.
Numa cena engraçada, mas, no fundo, assustadora, pelas implicações, Irene ensina ao homem que a ama como fazer charme, dar uma de precioso, para valorizar-se ainda mais como produto para a mulher que o compra e o leva a passear pelos shoppings chiques. A madurona que o comprou adquire para ele um relógio de um preço exorbitante (aliás, "preço exorbitante" é o significado do próprio título original do filme), veste-o, e o filme sugere um aviltamento ímpar, nesse aspecto. Porque tanto Audrey quanto Elmaleh são assim, bonitos, jovens, produtos de luxo, e não conseguem escapar à lógica do mundo atual: tudo está à venda, e quem não souber se vender, não gozará da felicidade oferecida por cartões de crédito. Não podem fazer nada quanto a isso. Querem luxo, querem se vestir bem, comer bem, desfilar naqueles hotéis em que só riquíssimos entram, e há um preço óbvio a pagar por isso.
Calcada no mais atroz mercantilismo, a produção consegue seduzir pela graça das situações, lembrando por vezes dois clássicos - "Se meu apartamento falasse", com seu patético casal a serviço (sexual inclusive) dos patrões, e "Bonequinha de luxo", que trata, na verdade, de um casal de prostitutos, ainda que edulcorado por Hollywood com a presença de Audrey Hepburn (inspiração óbvia de Tautou).
Mas, "Amar...não tem preço" incomoda, porque é muito atual e é, em alguns aspectos, muitíssimo mais cruel. Há muita degradação nada velada em sua trama, e a ironia principal é que, se o amor verdadeiro entra em jogo, os negócios podem acabar prejudicados. Mais cínico e mais contemporâneo, impossível.
Porém, em algum lugar, o diretor, Salvatori, deixou-se tocar por certo sentimentalismo, que destoa da crueza geral da proposta. E talvez por isso o final pareça inconvincente, em certa medida. Aí, na certa, entrou outra espécie de cálculo: o do cinema comercial, que não é besta de expor tragédias sem remissão e precisa adular o público.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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