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Carlos Felipe Moisés: noturno com jazz, blues, tango e "morte árabe"
por Chico Lopes
*
publicado em 03/11/2008.
É um livro de poesia incomum, a começar pela capa. Conversando com Moisés, ele me disse que a achara pouco convencional. De fato, lembra a capa de um almanaque, com figuras célebres (as mais reconhecíveis, de imediato, são as de Billie Holiday, Theda Bara e Carlos Gardel) e quebra o padrão dos livros do gênero, que em geral trazem imagens vagas, alusivas ou abstratas, como se a poesia fosse sempre alguma coisa um tanto incorpórea, como se não se relacionasse a carne e sangue e osso e nervos.
Não é o caso do projeto de Moisés, ainda que sua escrita remeta aos terrenos mais para abstratos (palavra, afinal, filistéia) do gênero, e nem poderia deixar de remeter. O livro é cheio de um calor humano incomum. É um projeto de afeto, desespero e ironia. E música. Em alguns momentos, como na saudação a Charlie Parker, é impossível que os admiradores da boa poesia e do grande músico não se sintam comovidos até as lágrimas, se prestarem atenção à forte mescla de ritmo e comoção que move o poema. Começa pela lembrança do "Charles Anjo 45" de Jorge Benjor e vai para o infinito, com todas as asas a que o poema (e o leitor) tem direito.
E com que artes e feitiços foi que Moisés escreveu esses dois poemas incríveis para Sidney Bechet e Leadbelly e por que o tema do trem, da fuga ferroviária e musical, num ritmo que se reflete nos versos, da disparada lírica, é tão onipresente neles? Não se sabe - só se sabe que a gente dispara em fuga com Bechet e Leadbelly (a fuga deste - como a fuga da Música, da Poesia - jamais foi prosaicamente detida por cadeia alguma das muitas pelas quais passou).
Ao cantar Bessie Smith, Moisés nos põe diante daquele monumento, a imensa mulher negra cuja voz brota do útero, como ele sentencia e ninguém vai ser doido de negar. E em Billie Holiday o poder de sugestão da escrita de Moisés vai nos dar um "Pássaro cego, asas/a ruflar no coração da noite nula, a espalhar por aí o esplendor/ de seus castelos, carícia/no dorso da pantera/silvo de serpente ensolarada:/mansidão de vendaval." E, naturalmente, é Borges quem baixa num Moisés consciente quando ele diz, no final de seu lindo poema a Carlos Gardel, "El Morocho a cantar/como quem acabasse/ de descobrir o segredo, ah! (e o desdenhasse)/o vão segredo da origem do universo."
"Senhor, a noite veio e alma é vil..."
Fazia tempo não via coisas tão lindas (e tão purgadas, sóbrias e irônicas) sobre a Noite, musa-mor do Romantismo e de tantas outras variações sombrias/essenciais da poesia desde sempre, como neste livro. Num dos mais belos poemas de "Mensagem", Pessoa (poeta de quem Moisés é notório conhecedor), como numa prece, diz o trecho acima, mas Moisés arma outra noite - uma noite que vai se diluindo, que se ergueu para se desdizer - sua beleza consiste numa espécie de gratuidade grandiosa e ingrata.
Fato admirável, a que sempre me curvo ao ler Moisés, é que seu lirismo se preserva, mesmo em meio a todo seu cordão de ironias e auto-avaliações sóbrias e desiludidas. Nunca se sente em Moisés a tristeza verdadeiramente irremediável de Pessoa. É, aliás, curioso que o poeta, conhecedor da melhor poesia e erudito como é, não pareça nunca obviamente influenciado por esses grandes nomes com quem lida. Cita-os, mas a sua admiração é a de quem tem cartilha própria e se rende à maestria óbvia sem abrir mão da sua dignidade. "Noite nula" começa em verso livre, vai para soneto, e o fecho deste lança: ": o mundo todo enfim enrodilhado/na severa engrenagem do soneto/ Mas o que tem a noite a ver com isso?" A resposta? "Essa noite não é nada". Na medida em que a Poesia é também Nada - ou seja, o Tudo que todos sabemos.
Ao lembrar que Theda Bara é anagrama de "Arab Death" e ao citar, em epígrafe, o alerta de Dylan Thomas para que o velho não entre na suave noite que chega, não ceda, não se deixe levar, sabemos que Moisés está tratando da morte, mas jamais com morbidez, e sim com um humor desiludido que não o impede de amar a vida, e, em meio a muitos desses poemas, notaremos que ele está perfeitamente ciente de que tudo se esvai, de que tudo é prenhe ou destituído de sentido e a vida é enigma ora acolhedor ora profunda e irremediavelmente hostil. O que, afinal de contas, sempre foi melhor para a Poesia, ainda que faça doer todas as fibras possíveis no Homem.
Livro caloroso para os que gostam da verdadeira poesia. É como um presente de afeto poético de Moisés para todos nós. Começa com a troca de e-mails, que virará prefácio, entre Moisés e a poeta e psicanalista Ana Cecília Carvalho e termina com uma conversa entre o poeta e outro poeta, Ricardo Aleixo, a quem o poema a Charlie Parker foi dedicado.
Os poetas verdadeiros jamais se furtam ao diálogo. Ainda que Moisés se reconheça, perante Aleixo, mais para "ensimesmado". Naturalmente, ele se ensimesma para ter o que dizer, ter o que dar. Nisso sua lucidez não o tornou inimigo da humanidade e não parece nunca ter bloqueado a sua generosidade.
Livro : "Noite nula"
Edição: Nankin/SP - 2008
96 páginas - 25 reais
Lançamento: 24/11 - partir de 19, 30h
Bar Balcão - Rua Dr. Melo Alves, 150 -Esq.Al.Tietê
São Paulo - SP
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
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Email: franlopes54@terra.com.br
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