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A saga de um homem odioso, um monstro simpático e outras visões
por Chico Lopes
*
publicado em 04/08/2008.
A saga de Daniel Plainview, magnata do petróleo, é cheia de coisas bem feitas - a fotografia de Jack Fisk, a música de Jonny Greenwood e, acima de tudo, a interpretação verdadeiramente antológica de Daniel Day-Lewis (não havia concorrente para ele como melhor ator do Oscar 2008, realmente).
Plainview é só ambição, tensão, desconfiança, determinação - seu único respiradouro de afeto é o menino que adota, e que um acidente de prospecção de petróleo levará à surdez. Mas, mesmo este, tentando emancipar-se como homem e profissional, parecerá a ele um concorrente - Plainview é daqueles prepotentes que só entendem o mundo em dois pólos: hostilidade ou submissão (lembra o Paulo Honório de "São Bernardo", de Graciliano Ramos, neste aspecto). Ele não quer que o Outro exista e tenha opiniões próprias - tenta suprimir toda e qualquer vida autônoma ao seu redor.
Para entender quem ele é, é só prestar atenção ao rosto de Lewis - o personagem sorri só com a boca, os olhos vão para outros lados e são só esperteza, desconfiança e ódio - e, num raro momento de fraqueza confessional diz: "Odeio todo mundo. Vou ficar rico para me isolar de todos." Solidão mais dura e trágica, impossível.
"Sangue negro" não é a obra-prima que os críticos apregoaram, mas é um belo filme, muito superior a "Onde os fracos não têm vez" e outros do Oscar 2008, mas não superior àquele que, a meu ver, foi o melhor dos filmes entre todos os concorrentes - "Desejo e reparação", do inglês Joe Wright.
O MONSTRO DO LAGO NESS: MAIS UM BICHINHO FOFO - "Meu monstro de estimação", de Jay Russell, é dirigido ao público infanto-juvenil e, dentro de seu gênero, é funcional. O filme me chamou a atenção por trazer ambientação na Escócia, cujas paisagens no cinema costumam ser tão fascinantes que, em alguns filmes, vale mais olhar para elas que para todo o resto.
É mais uma produção ao gênero "E.T" em que um garoto sensível e isolado (no caso, órfão de pai), dotado de muita imaginação, em contraposição ao mundo adulto, que é insensível e sem fantasia (sic), cria um ser fantástico escondido desses terríveis adultos (e, no caso, a sua casa se torna quartel de soldados ingleses que, na costa escocesa, vigiam a entrada de submarinos alemães na Segunda Guerra Mundial).
O bichinho fofo que o garoto cria é o próprio e mitológico "monstro do lago Ness", responsável por tanto folclore e gerador de muita renda turística. O filme tem humor e brinca um pouco com essa credulidade besta em torno dele. Mas não deixa de se aproveitar de toda a superstição e de todo o sentimentalismo raso, porque comércio é comércio, ora. E faz o que todos os filmes de seu gênero fazem: uma criatura digital que pode ser violenta, mas adora o menino que a criou e tem olhos tão puros, tão ..."bonzinhos" (em matéria de pieguice, à la "E.T", o filme é outro abuso).
O garoto órfão que, nesse tipo de produção, encontra um "monstro com coração" que precisa defender da incompreensão e da crueldade do mundo adulto, já é um dos maiores e mais descarados clichês da era Spielberg-Lucas. É como se uma orfandade psicológica profunda habitasse os espectadores infanto-juvenis (e talvez até alguns marmanjos), explicando a criação de um sucedâneo de borracha e olhinhos lacrimejantes do Pai ideal. Acabado o filme, os adoradores encontrarão o bicho mitológico reduzido a um dos itens de lojas de brinquedos. O consumismo é tudo.
MAIS ORFANDADE EM "VALE PROIBIDO" - Eis outra variação precisa dessa orfandade norte-americana nas telas: um filme chamado "Vale proibido", que me interessou porque a capa do DVD, de certo modo enganosa, traz o ator Edward Norton caracterizado de "cowboy" e pode, à primeira vista, fazer crer que o ótimo ator decidiu fazer um faroeste. Como de Norton se pode esperar qualidade, o apelo funciona.
Mas, não é nada disso - é, pelo contrário, um filme que tem uma idéia curiosa não muito bem realizada e merece entrar na categoria das produções que fracassam junto ao público (e parte da crítica) sem terem merecido uma consideração mais ponderada. Mostra uma família desagregada (não há uma mãe, e, aliás, nem se fala dela), em que o pai é David Morse, grandalhão louro que faz papéis assustadores, mas é um ator sutil. Ele tem um casal de filhos adolescente, Evan Rachel Wood e Rory Culkin, desencontrado, pois a garota é mais forte e determinada que o menino, que se deixa arrastar por ela, atônito e passivo a maior parte do tempo (e mudo também, sugerindo sérias dificuldades psicológicas).
A garota, passeando com um bando de adolescentes riquinhos e odiosos pelo vale de San Fernando, vai certa tarde à praia e, no caminho, por gozação, o carro da turma se detém num sujeito vestido de cowboy que trabalha num posto de gasolina. Nasce de imediato alguma coisa entre ele e ela. Edward Norton se impõe por sua fragilidade neurastênica e sua masculinidade vulnerável que nos comove, às vezes, tanto quanto aquelas caras, bocas e olhares de James Dean. Seu carisma é um caso sério. Ele é dos atores que de fato dão carne e osso a personagens.
O romance que inicia com Rachel Wood, claro, não será do agrado daquele pai. E o espectador, já acostumado a esse esquema, desconfiará do personagem, sendo ele Norton, a ambigüidade em pessoa. Bingo. Um dos problemas dos filmes atuais, aliás, é precisamente este: o espectador escolado sempre sabe para onde eles vão.
Mas este tem desvios interessantes. É como se fosse uma paródia contemporânea dos velhos westerns ao estilo "Shane - Os brutos também amam". O cowboy, símbolo máximo da cultura americana, uma idealização do machismo heróico, terno e protetor, é - ao que parece - símbolo do desejo de ter um pai melhor, mais apropriado à sua imaginação, daquele casal de adolescentes. Só que a realidade não perdoa nem pode abrigar um sujeito tão quixotesco e idealizado - e aí, a degeneração do mito se traduz em psicose e tudo vai se transformando em paródica concreta e patética de um western com direito a duelo final. Com sua grandeza, Norton atravessa o filme dignamente, e salva o roteiro capenga (falta uma ossatura mais definida), compensando vigorosamente as falhas todas. Este "Vale proibido" é bem uma prova veemente de como um ator pode salvar um filme.
JENNIFER JASONLEIGH VIVE GRANDE PERSONAGEM DE HENRY JAMES - "A herdeira" (no original, "Washington Square") é um dos romances mais bonitos e populares do escritor norte-americano Henry James, e Catherine Sloper, a sua heroína, é também uma das criações femininas mais celebradas do romancista. A história foi adaptada em Hollywood em produção de 1949, "Tarde demais", dirigida por William Wyler, com Olivia de Havilland e Montgomery Clift nos papéis principais, e deu um Oscar para Olivia. Ela estava de fato muito bem no papel.
Em 1997, coisa arriscada, decidiu fazer-se uma nova versão dessa ótima história. Na direção, alguém meio improvável - a polonesa Agnieszka Holland, diretora muito desigual. E a história é tão forte e pungente que resistiu bem a algumas inadequações: o galã, Ben Chaplin, não me pareceu muito apropriado para o papel de Morris Townsend (que foi de Montgomery Clift da primeira vez), e há problemas na interpretação de Jennifer Jason Leigh, que, na primeira parte do filme, exagera na composição de uma Catherine desajeitada, além de tímida.
Mas recomendo "A herdeira", mesmo para quem leu o romance primeiro e vá achar que James é quase sempre traído pelas adaptações cinematográficas. Porque há acertos muito grandes como as escolhas de Albert Finney para o papel do pai mesquinho e de Maggie Smith (fulgurante, é a melhor presença do filme) como a tia solteirona Lavínia, que se faz de intermediária do romance entre Morris e a sua sobrinha. E Jason Leigh se redime das mancadas na primeira parte evoluindo para uma caracterização mais sutil e matizada de Catherine na segunda. Também a cor, o figurino, a reconstituição de época, a música, ajudam muito a produção. Ao fim, é uma versão bastante digna, que em alguns momentos sugere com precisão o universo literário de James. O DVD pode ser encontrado em bancas, a preços muito acessíveis.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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