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Humor deslocado, duas faces de uma atriz e um clássico romântico com Orson Welles
por Chico Lopes
*
publicado em 12/07/2008.

O problema do filme consiste um pouco em estar fora do tempo, e é melhor para quem viu os velhos filmes de 007, porque a (pouca) graça vem da sátira aos apetrechos engenhosos do velho Bond dos anos 60, de alguns daqueles filmes da série (não é por acaso que tudo vai parar em Moscou), sendo que o charme essencial de Don Adams era ser um pateta absoluto, presunçoso, deslocado, burro e desajeitado, querendo ostentar o glamour de Sean Connery e errando todas, claro. Carell parece apenas um tonto irremediável tentando copiar Adams e 90% do que fala é de um humor sem vida. O filme tenta compensar seus vazios de roteiro e graça com muita ação, com exageros de perseguição e confusão, e nisso até é bem-sucedido. Mas não vá vê-lo esperando grande coisa.

É assim no notável "Escritores da liberdade", em que é dirigida pelo marido, Richard Lagravenese. O filme é um amontoado de clichês, com aquela estrutura manjadíssima de produções como "Ao mestre, com carinho", "Adorável professor", "Sociedade dos poetas mortos" etc. Mas Hillary opera algo de milagroso: entrega-se ao papel com tanto carinho que um sopro de vida redime aquela manipulação emocional toda.
Ela é Erin Gruswell, uma professora de Los Angeles que, em 1994, depois dos motins raciais terríveis ocorridos na cidade, enfrenta uma classe em bairro distante, numa escola que faz o processo de "integração". Claro que há zero de entendimento e boa-vontade entre os alunos hispânicos, asiáticos e negros, e que a fria que ela enfrentará é sem tamanho. Uma das frias é a burocratizada diretora, a excelente atriz inglesa Imelda Staunton encarnando o despeito, a amargura e a impotência de toda uma vida com um olhar extraordinário. Erin fará o que todos os professores desse tipo de filme fazem: promoverá um processo de redenção daqueles jovens, enfrentando a própria estrutura restritiva da escola, pondo sua vida e seu coração na missão. Tudo já foi muito visto, mas o filme consegue ter força renovada e fazer com a que a gente se comova com aquelas vidas.
Mas, também dirigida pelo marido, Lagravenese, Hillary se afunda em "P.S - Eu te amo", produção romântica que vem fazendo algum sucesso nas locadoras. O filme não consegue encontrar seu gênero, tentando explorar uma situação mórbida com humor e falhando feio. Hillary faz uma mulher jovem que perde o marido e, como o amava para lá de loucamente, não tem um luto normal: entrega-se a uma depressão consumada, carrega as cinzas do sujeito numa urna até quando sai para os bares com as amigas (!!!!), e tudo é piorado pelo fato de o homem ter previsto que morreria e preparado cartas que continuam chegando a ela, consolando-a, aconselhando-a, tutelando-a. Ela acaba indo para a Irlanda, a terra natal dele (o filme, aí, ganha com as belas paisagens) e conhecendo um velho amigo dele, com quem tem uma noite de paixão. Mas o roteiro despenca para todos os lados.
O grande problema do filme nem é Hillary, que simplesmente faz o que pode. É com Gerard Butler, o galã, o Gerry que ela tanto amou. O ator é ruim e o casal não tem química. O espectador ficará tentando entender por que ela ama tanto aquele Gerry - ele é daqueles sujeitos convictos de serem atraentes (faz até um strip-tease ridículo), "gostosão da bala Chita" como se dizia há velhíssimos tempos, e não parece amar a mulher, mas deixar que ela o ame e se deleite com o grande amante que ele é. Narcisismo primário é pouco. Antipático, arrogante, aparece pouco no filme, e mesmo as cartas que manda para a mulher depois de morto (sic) parecem antes testemunhar sua vontade de se perpetuar como marido-fantasma para que ela nunca se livre dele. Como ela continua amando-o sem remédio, a gente desiste de acreditar em sua inteligência. O que salva um pouco a produção é a presença de Kathy Bates, realista e seca, como a mãe. Ela é a única voz sensata da trama: achava o genro um chato. Tinha toda razão. Mas a direção quer que achemos Gerry, tal como a viúva e seus amigos, um cara maravilhoso. E aí o filme vai pelo ralo.

Foi feita em 1944, e traz Joan Fontaine num papel que é, na verdade, uma variação de outros que a consagraram. Em "Suspeita" e "Rebecca - A mulher inesquecível", ela é tímida, sensível, vítima em potencial, e sempre vai parar nos braços de maridos indignos de confiança, perturbados, neuróticos. A história de Eyre, clássica, serve como uma luva para ela, porque, depois de sofrer anos em instituições filantrópicos hipócritas e sádicas como órfã, passará a ser governanta de uma mansão onde, claro, conhecerá o proprietário, o arrogante, misterioso e irascível Rochester, por quem se apaixonará e com que se casará. Mais um marido-problema para a coleção de Fontaine...
Mas ele é Orson Welles, magnífico em sua juventude, com aquela voz e com aquele estilo "over", expressionista, que muita gente acha coisa de canastrão, mas podia ser glorioso. O Rochester que compõe é descaradamente teatral, exagerado de fato, e faz um belo contraste com a interpretação contida e matizada de Fontaine. Além disso, o filme é servido por uma fotografia maravilhosa em preto e branco, de George Barnes, por música de Bernard Herrmann (o compositor das melhores trilhas para Hitchcock) e tem força no elenco infantil, com a adorável Margaret O´Brien como filha de Rochester e uma ponta não creditada de Elizabeth Taylor menina como amiga de Eyre no orfanato. Agnes Moorehead, sempre a encarnação da antipatia hipócrita, está muito bem logo no início, como a tia decididamente megera de Eyre.
O filme é relíquia de um tempo em que adaptações de romances ingleses assim carregados, sombrios, eram feitas com grande competência por Hollywood. Há versões de que Welles não foi apenas o galã, mas também a mão oculta por trás da direção de Robert Stevenson. E de fato o filme é percorrido por uma atmosfera expressionista digna do cineasta de "Kane". Vale conhecer essa preciosidade.
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Francisco Carlos Lopes
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