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Humor deslocado, duas faces de uma atriz e um clássico romântico com Orson Welles
por Chico Lopes
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publicado em 12/07/2008.
SÁTIRA PERDIDA NO TEMPO - A despeito das críticas favoráveis e da publicidade maciça, é bom que o espectador de cinema pense duas vezes antes de ir ver "Agente 86", um dos sucessos da atualidade nos cinemas. Hollywood vem padecendo com falta de boas idéias e novos roteiros e recicla tudo - dessa vez, é o agente satírico de um velho seriado homônimo de televisão dos anos 60, que foi feito pelo falecido Don Adams, uma idéia de Mel Brooks que tinha muito de divertido, mas também podia irritar, pela idiotice assumida. Como hoje em dia o humor no cinema pende, decididamente, para a segunda, e raramente compensa isso com diversão, "Agente 86", de Peter Segal, com Steve Carell no papel que foi de Adams, é uma produção muito barulhenta e apenas mediana. Alguns momentos de riso, ação desenfreada, e Carell acertando aqui, ficando maçante ali. Anne Hathaway até que se esforça como parceira, mas não é engraçada. Terence Stamp é de novo um vilão excêntrico. Isso já cansou muito.
O problema do filme consiste um pouco em estar fora do tempo, e é melhor para quem viu os velhos filmes de 007, porque a (pouca) graça vem da sátira aos apetrechos engenhosos do velho Bond dos anos 60, de alguns daqueles filmes da série (não é por acaso que tudo vai parar em Moscou), sendo que o charme essencial de Don Adams era ser um pateta absoluto, presunçoso, deslocado, burro e desajeitado, querendo ostentar o glamour de Sean Connery e errando todas, claro. Carell parece apenas um tonto irremediável tentando copiar Adams e 90% do que fala é de um humor sem vida. O filme tenta compensar seus vazios de roteiro e graça com muita ação, com exageros de perseguição e confusão, e nisso até é bem-sucedido. Mas não vá vê-lo esperando grande coisa.
DUAS VEZES COM HILLARY SWANK - Hillary Swank, duas vezes premiada com o Oscar ("Meninos não choram" e "Menina de ouro") andou fazendo filmes irregulares e duvidosos, mas é uma atriz admirável. Não tem um rosto exatamente bonito, mas é expressiva e muito sensível, e aquele rosto registra tudo, nos melhores filmes.
É assim no notável "Escritores da liberdade", em que é dirigida pelo marido, Richard Lagravenese. O filme é um amontoado de clichês, com aquela estrutura manjadíssima de produções como "Ao mestre, com carinho", "Adorável professor", "Sociedade dos poetas mortos" etc. Mas Hillary opera algo de milagroso: entrega-se ao papel com tanto carinho que um sopro de vida redime aquela manipulação emocional toda.
Ela é Erin Gruswell, uma professora de Los Angeles que, em 1994, depois dos motins raciais terríveis ocorridos na cidade, enfrenta uma classe em bairro distante, numa escola que faz o processo de "integração". Claro que há zero de entendimento e boa-vontade entre os alunos hispânicos, asiáticos e negros, e que a fria que ela enfrentará é sem tamanho. Uma das frias é a burocratizada diretora, a excelente atriz inglesa Imelda Staunton encarnando o despeito, a amargura e a impotência de toda uma vida com um olhar extraordinário. Erin fará o que todos os professores desse tipo de filme fazem: promoverá um processo de redenção daqueles jovens, enfrentando a própria estrutura restritiva da escola, pondo sua vida e seu coração na missão. Tudo já foi muito visto, mas o filme consegue ter força renovada e fazer com a que a gente se comova com aquelas vidas.
Mas, também dirigida pelo marido, Lagravenese, Hillary se afunda em "P.S - Eu te amo", produção romântica que vem fazendo algum sucesso nas locadoras. O filme não consegue encontrar seu gênero, tentando explorar uma situação mórbida com humor e falhando feio. Hillary faz uma mulher jovem que perde o marido e, como o amava para lá de loucamente, não tem um luto normal: entrega-se a uma depressão consumada, carrega as cinzas do sujeito numa urna até quando sai para os bares com as amigas (!!!!), e tudo é piorado pelo fato de o homem ter previsto que morreria e preparado cartas que continuam chegando a ela, consolando-a, aconselhando-a, tutelando-a. Ela acaba indo para a Irlanda, a terra natal dele (o filme, aí, ganha com as belas paisagens) e conhecendo um velho amigo dele, com quem tem uma noite de paixão. Mas o roteiro despenca para todos os lados.
O grande problema do filme nem é Hillary, que simplesmente faz o que pode. É com Gerard Butler, o galã, o Gerry que ela tanto amou. O ator é ruim e o casal não tem química. O espectador ficará tentando entender por que ela ama tanto aquele Gerry - ele é daqueles sujeitos convictos de serem atraentes (faz até um strip-tease ridículo), "gostosão da bala Chita" como se dizia há velhíssimos tempos, e não parece amar a mulher, mas deixar que ela o ame e se deleite com o grande amante que ele é. Narcisismo primário é pouco. Antipático, arrogante, aparece pouco no filme, e mesmo as cartas que manda para a mulher depois de morto (sic) parecem antes testemunhar sua vontade de se perpetuar como marido-fantasma para que ela nunca se livre dele. Como ela continua amando-o sem remédio, a gente desiste de acreditar em sua inteligência. O que salva um pouco a produção é a presença de Kathy Bates, realista e seca, como a mãe. Ela é a única voz sensata da trama: achava o genro um chato. Tinha toda razão. Mas a direção quer que achemos Gerry, tal como a viúva e seus amigos, um cara maravilhoso. E aí o filme vai pelo ralo.
PARA OS ROMÂNTICOS, NAS BANCAS - Pelas bancas de revistas, a gente às vezes encontra velhos filmes em DVD a um preço muito atraente, e um caso assim é "Jane Eyre", a melhor adaptação do célebre romance de Charlotte Brontë para o cinema.
Foi feita em 1944, e traz Joan Fontaine num papel que é, na verdade, uma variação de outros que a consagraram. Em "Suspeita" e "Rebecca - A mulher inesquecível", ela é tímida, sensível, vítima em potencial, e sempre vai parar nos braços de maridos indignos de confiança, perturbados, neuróticos. A história de Eyre, clássica, serve como uma luva para ela, porque, depois de sofrer anos em instituições filantrópicos hipócritas e sádicas como órfã, passará a ser governanta de uma mansão onde, claro, conhecerá o proprietário, o arrogante, misterioso e irascível Rochester, por quem se apaixonará e com que se casará. Mais um marido-problema para a coleção de Fontaine...
Mas ele é Orson Welles, magnífico em sua juventude, com aquela voz e com aquele estilo "over", expressionista, que muita gente acha coisa de canastrão, mas podia ser glorioso. O Rochester que compõe é descaradamente teatral, exagerado de fato, e faz um belo contraste com a interpretação contida e matizada de Fontaine. Além disso, o filme é servido por uma fotografia maravilhosa em preto e branco, de George Barnes, por música de Bernard Herrmann (o compositor das melhores trilhas para Hitchcock) e tem força no elenco infantil, com a adorável Margaret O´Brien como filha de Rochester e uma ponta não creditada de Elizabeth Taylor menina como amiga de Eyre no orfanato. Agnes Moorehead, sempre a encarnação da antipatia hipócrita, está muito bem logo no início, como a tia decididamente megera de Eyre.
O filme é relíquia de um tempo em que adaptações de romances ingleses assim carregados, sombrios, eram feitas com grande competência por Hollywood. Há versões de que Welles não foi apenas o galã, mas também a mão oculta por trás da direção de Robert Stevenson. E de fato o filme é percorrido por uma atmosfera expressionista digna do cineasta de "Kane". Vale conhecer essa preciosidade.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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