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O Misa e a arca do tesouro

por Terezinha Pereira *
publicado em 12/07/2008.

Era uma vez, outra vez...

Lá pelas bandas da nascente do Ribeirão de Limas, um pequeno povoado, morava um miserável homem, conhecido como Misa. Porém, o Misa não era um pobre coitado, digno de dó, sem dinheiro para comprar o de comer e o de vestir. Se morava num casebre, sem luz elétrica nem água encanada à beira-rio, era porque não queria gastar seu dinheiro.

Dizem que havia recebido uma valiosa herança, de alguém que ninguém sabe quem. O legado chegara até ele dentro de uma enorme arca de latão muito lustrosa, que parecia de ouro. Falavam em barras e barras de ouro e muito, muito dinheiro. Se alguém, na verdade, vira mesmo o avarento chegar com a arca e sabia o que havia dentro dela........ Acreditavam. Todo o povoado de Limas comentava sobre o fato. No entanto, pessoa alguma havia visto onde o homem a escondera. Só podia ter sido enterrada em alguma parte de seu terreno.

A chave da arca ficava numa corrente que o Misa usava no pescoço, de onde não tirava, por nada deste mundo. Nem na hora do banho, que tomava na nascente do ribeirão, uma vez por semana e olhe lá. Fazer gasto com sabão. . . pois, isso não era para ele.

Gastar? Dividir seu rancho com alguma mulher? Pagar empregado para produzir na sua terra? Pra quê isso... Vivia a pensar no senhor Futuro. Ele mesmo plantava o suficiente para o seu de comer, de cobrir o corpo. No terreno, cuidava de um gadinho magriço, poucas cabeças, que tratar do pasto custava dinheiro. Era o bastante para uma caneca de leite todas as manhãs e para fazer alguns queijos.

Quando ia à venda do povoado, levava queijos, alguma fruta, alguma verdura e trocava o que produzia por outras coisas de comer, alguma peça de roupa, quando não tinha o que vestir, um par de botinas novas, quando o único que usava, entrava ano, saía ano, ficava com a sola esburacada. Chegava à venda de Limas com o saco de mantimentos para a permuta, o mesmo que levava na volta. Isso, uma vez por semana, que assim economizava a sola das botinas chiadeiras.

Médico, dentista, botica, era coisa que o Misa nem conhecia. Bom dia? Não dizia a ninguém, nem dava resposta. Era avarento até com palavras. Entrava na venda, punha suas coisas sobre o balcão e apontava o que queria levar em troca.
Como todo o povoado sabia do dia e da hora que o Misa ia à venda fazer sua barganha, a meninada e também alguns marmanjos desocupados ficavam à espreita, nos arredores de seu terreno. Era só ele acabar de passar pela porteira, eles se aproveitavam para vasculhar o local. Queriam porque queriam descobrir onde estava guardada a fortuna do Misa.

Além de miserável, era o Misa desconfiado. Gastava pouco tempo com sua ida semanal ao povoado. Ia num pé e voltava no outro. Os bisbilhoteiros não tinham tempo para investigar todo o terreno. No máximo, colhiam algumas frutas, meio verdes que o dono havia deixado para levar à venda na semana seguinte. Saíam com elas por baixo de suas camisas. Se davam de cara com o homem no caminho de volta, xingos não levavam. Porém, tinham um medo danado de seu olhar, que mais parecia ser do diabo.

Como a morte chega pra todo vivo, um dia, a do Misa chegou. Não puderam saber ao certo a data em que ocorrera. No dia da saída do Misa para fazer seus negócios da semana, as pessoas de costume, estavam a sua espera. No entanto, ele não saiu da casa.

Como tinham uma esperança danada de um dia encontrar a fortuna do Misa, retornaram no dia seguinte, nos outros dias, à mesma hora. Podia ser que ele não tivesse feito seus queijos. Podia ter pegado um defluxo. Talvez estivesse desandado. Ou, quem sabe, tivesse mudado seus hábitos...

No quarto ou quinto dia, quando chegaram perto da porteira do terreno, viram algo de esquisito. Uma porção de urubus voava por cima do casebre do Misa. Não preciso dizer o que encontraram lá dentro.

Correram para o povoado e contaram o que viram. Um bando de gente com faixa de pano branco amarrada no nariz, levando uma maca improvisada com dois paus de eucalipto e um lençol correu para a casa do Misa. Os que ficaram em Limas, chamaram o delegado na cidade. Ele atendeu ligeiro. Foi acompanhado de um doutor, o qual examinou o que restara do senhor Futuro do avarento. Nada havia de errado com o corpo, a não ser o fedor que exalava. Segundo o resultado dos exames feitos pelo doutor, a morte do Misa chegara por si mesma. Não havia sido forçada com garrucha nem faca de algum ladrão ou inimigo. Nem mesmo com algum mata-rato.

O enterro do homem foi feito às pressas. Ninguém de Limas se recusou a dar uns trocados para as despesas do funeral. Teve gente que até pensou em féretro de luxo, coitado, merecia. Outros não concordaram. Assim, enterraram o Misa em caixão de preço módico mesmo, numa cova de indigente.

Já é possível imaginar o que algumas pessoas do povoado fizeram. Não havia passado meia hora que enterraram o homem, essas correram para o terreno dele. Todos sabiam que ele era o último de uma família que ninguém sabia de onde era e que ele não tinha nenhum herdeiro, por opção.

Cavaram e cavaram por toda parte. Nada. No povoado, cismavam. Muitos acreditavam que ser pão-duro, sovina, avarento nesta vida era pecado mortal e que a alma de um miserável ficava vagando por aí, mundo afora. Podia ser que o espírito dele estivesse vigiando o lugar e impedindo-lhes que encontrassem o tesouro.

Uns renunciaram à idéia de ficarem ricos. Alguns, porque tnham horror de alma penada. Outros, ao perceberem que eram poucos que restavam, passaram a procurar com mais afinco. Acreditavam que encontrariam a arca acobreada, repleta de ouro e dinheiro. Por sorte, o tesouro seria dividido entre poucos. Os mais corajosos.

Passados uns meses, um casal que andava pelas bandas do terreno do Misa ao anoitecer, viu um vulto, carregando um saco de mantimentos a caminhar. Juraram que viram. Notícia de alma penada, em tempos passados, corria como chama na palha seca. Em poucos dias, muitos afirmavam que também haviam visto o vulto do Misa nas proximidades de suas terras e outros até diziam haver escutado o chiado de suas botinas.

Os que ainda esquadrinhavam o chão foram rareando. No final, só ficou um. Coincidência ou não, era o mais abastado da cidade. Ficou dias e mais dias, até que encontrou a arca acobreada que havia sido enterrada fora da terra do Misa, bem à beira da nascente do ribeirão de Limas.

Era uma tarde de sábado, quase noite. As mulheres faziam compras na venda e os homens tomavam a sagrada cachaça das tardes, quando avistaram um vulto vindo das bandas das terras do Misa. Carregava um objeto pesado. Uns correram para bem longe da venda. Podia ser assombração. Os que ficaram repararam que o ricaço da cidade vinha magro, pele e osso, olhar perdido. Carregava uma arca cor de cobre na cacunda.

O homem, ao chegar perto dos que ficaram na venda, soltou a arca no chão. Neste instante, a arca se abriu, espalhando sementes por todo lado. Sementes!...
Compreenderam então a causa da desolação do homem rico. Dentro da arca, não havia nem barras de ouro, nem dinheiro. Havia sementes de diversas espécies.

Junto com as sementes, diversos manuais _ escritos à mão_ com instruções para planejamento de áreas de plantação, plantio de sementes, cuidados que o herdeiro deveria ter quando nascessem as mudas, o replantio, a produção, o lugar onde o produto poderia ser vendido a melhores preços. E um alerta. Se todos os cuidados fossem tomados, aquelas sementes germinariam com vigor. Em pouco tempo ele poderia ser um homem rico. Teria muito dinheiro, poderia viajar pelo mundo inteiro e comprar tudo o que quisesse. Até mesmo barras e barras de ouro.

Sobre o Autor

Terezinha Pereira: Terezinha Pereira é romancista, contista, cronista, graduada em Letras, membro da Academia de Letras de Pará de Minas

Publicações:
_ "Em confidência", romance publicado pela Mazza Editora, Belo Horizonte, 2000, premiado em concursos literários realizados no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais;
_ "Uma pianista numa noite branca..." , Caderno Literário de contos, 2004, pela Academia de Letras de Pará de Minas em parceria com o Jornal Diário;
_ Contos, na "Revista da Academia Mineira de Letras" (4 revistas);
_ Artigo, projeto de estudo do livro "Dom Quixote" para alunos de 8ª série do Ensino Fundamental, publicado na revista "Presença Pedagógica", de setembro/2005;
_ JB Online, Café Literário: Colunista da Semana, 23 a 29/11/2005.

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