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A leitura me dá sorte
por Henrique Chagas
*
publicado em 12/06/2008.
Toda vez que da roça ia para a cidade, caso tivesse algum trocado, ele comprava o jornal do dia. Quando não tinha, ele não se envergonhava, pedia um exemplar velho, mesmo que fosse de dias anteriores. Sempre trazia um jornal, e passava horas lendo e relendo. Desde criança assistia sempre a esta mesma cena, repetitiva e incansável. Ele não apenas se contentava em ler, comentava com mamãe as notícias e as opiniões dos jornalistas.
Foi com ele que aprendi a ler e a escrever. Ele acompanhou-me no aprendizado através da cartilha “Caminho Suave”. Pequeninho, eu queria ser como meu pai, saber ler, para ler os jornais e entender o que estava acontecendo no mundo, no mundo que eu imaginava existir além do sitio da Onça Pintada [onde nasci e cresci]. Antes mesmo dos meus seis anos, eu já sabia ler e a escrever [meu primeiro dia de aula foi uma decepção: o professor nos ensinou a fazer traços verticais, horizontais e diagonais].
Ficava emocionado com a leitura da poesia de Camões na primeira página do Estadão. Pouco entendia e nem sabia que, por traz daqueles versos decassílabos haviam textos censurados, histórias que a ditadura militar decidira que eu não deveria saber.
Meu pai lia diariamente a Bíblia, conhecia cada livro, cada capítulo e cada versículo. Ai do missionário que ousasse a lhe fazer proselitismo se dava mal, pois tinha que checar cada palavra dita ou mal interpretada. Adorava as histórias contadas por meu pai, eu imaginava cada cena: desde a velhice de Matusalém, dos homens gigantes da Cananéia, do sacrifício de Isaac até a venda de José aos mercadores egípcios.
Li várias vezes, a História Sagrada, um livro grosso que meu pai ganhou de um caixeiro viajante; fiquei impressionado com as peripécias do Rei Davi e seus filhos. Chocou-me a morte de Absalão, que morreu porque suas tranças enroscaram nos galhos de uma árvore quando, em disparada, debaixo passava a cavalo. À época, conclui que a razão estava no assassinato de seu irmão, por vingança ao estupro de Tamar, mas eu não sabia e ninguém me explicava o que seria o tal estupro.
Não bastassem as leituras, ouvia rádio. A partir das seis da matina, meu pai sintonizava as ondas curtas, que traziam o trabuco de Vicente Leporacce e o pulo do gato do José Paulo de Andrade. Aquilo que lia nos jornais tinha alguma referência ao que ouvia no rádio. Fazia algum sentido. Embora não entendia exatamente o que acontecia no mundo, queria entendê-lo.

Depois que fui para o colégio interno lá em Marília, eu não estudava as lições das aulas regulares do Colégio Cristo Rei. Odiava repetir aquela decoreba toda. Eu aproveitava o tempo no salão de estudos para ler, eu lia qualquer coisa, da enciclopédia Barsa aos livros da coleção brasiliana. Sempre acreditei que a leitura me dava sorte na hora das provas; difundia esta minha versão aos colegas, que não acreditavam na minha mandinga. Eu afirmava que bastava colocar o caderno debaixo de travesseiro, enquanto dormia o conhecimento adentrava ao meu cérebro por osmose. Tinha quem acreditasse.
Nas aulas, eu sempre tinha um exemplo para dizer aos professores, tinha indagações e conseguia compreender as lições dadas em aula, por isso não precisava estudar; e conseguia esta proeza porque não estudava, eu lia. Até hoje mantenho a mesma sorte. A leitura me dá sorte: eu lhe garanto.
Sobre o Autor

É professor de Filosofia no Seminário Diocesano de Presidente Prudente/SP, onde leciona o módulo de Formação da Consciência Crítica; e foi professor universitário de Direito Internacional Público e Privado de 1998 a 2002 na Faculdade de Direito da UNOESTE, Presidente Prudente/SP. No setor educacional, foi professor e diretor de escola de ensino de 1º e 2º graus de 1980 a 1984.
Além das suas atividades profissionais ligadas ao direito, Henrique Chagas é escritor e pratica jornalismo cultural no portal cultural VerdesTrigos (www.verdestrigos.org), do qual é o criador intelectual e mantenedor desde 1998. É jurado de vários prêmios nacionais e internacionais de literatura, entre eles o Prêmio Portugal Telecom de Literatura.
No BLOG Verdes Trigos, Henrique anota as principais novidades editoriais, literárias e culturais, praticando verdadeiro jornalismo cultural. Totalmente atualizado: 7 dias por semana.
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