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O Outro Lado das Calamidades
por André Carlos Salzano Masini
*
publicado em 25/09/2003.
Que ninguém se engane! Penitenciária Federal não é para presos bucólicos como os nossos. Para entrar em uma delas é necessário pertencer a uma certa "categoria" de gente, que até hoje nós só tivemos o privilégio de conhecer pela televisão.
Mixórdias à parte, os malefícios do projeto para nossa cidade são indiscutíveis: aumento da criminalidade, fuga de investimentos, desvalorização dos imóveis, enfim a total deterioração da região.
A discussão é quase surreal, pois os danos de um tal projeto não são elucubrações, são um dado concreto e irrefutável, tirado de exemplos recentes de projetos semelhantes.
Quem não se recorda da implantação do complexo penitenciário de Bangu, que em teoria teria sido um modelo de prisão... segurança absoluta... etc... O que é hoje? Um antro de pesadelos, onde amedrontados funcionários resistem abnegadamente, sitiados por dentro e por fora, sob ameaças constantes de invasões, resgates, motins, rebeliões, assassinatos...
Lá dentro, os criminosos reinam como soberanos absolutos, donos de um império financeiro avassalador e senhores da vida e da morte dos detentos menos poderosos, dos agentes penitenciários, dos diretores de presídios, dos juízes, e da população fora dos muros...
Nos olhos desses senhores não existe receio, nem prudência, nem limite; mas tanta "bravura" e impertinência que parecem tratar-se de criaturas sobre-humanas. O irônico é que essa "bravura" não vem de nenhum dom inato ou sobrenatural: eles não são diferentes dos outros homens, não são imunes à dor ou ao medo da morte. Sua "bravura" vem apenas do fato de terem absoluta certeza de que o Estado não lhes causará nenhum sofrimento físico ou moral, não importa o que façam, como crianças mimadas. E exatamente por isso eles se sentem livres para fazer tudo o que querem: matar, torturar, seqüestrar, mutilar, intimidar, barbarizar... Nosso Estado, amorfo e negligente, perdido em retóricas vazias, apenas os "condena" (sic) a mais algumas centenas de anos...
Nesse quadro – onde ninguém nem nada os obriga a respeitar limites – qualquer penitenciária no Brasil será como uma lareira feita de madeira. Por melhor que seja a madeira, o fogo acabará tomando o resto da casa.
Outro exemplo aconteceu recentemente na região de Presidente Prudente, que era uma das mais tranqüilas do Estado da São Paulo. Nos anos 90, o governo estadual decidiu construir um conjunto de penitenciárias na região. O projeto foi apresentado à população local como um grande benefício, que traria "recursos, empregos e desenvolvimento" (sic). Mas a realidade foi bem diferente.
Os imperadores do crime mudaram-se para as "penitenciarias perfeitas" e foram seguidos por seus séqüitos – sócios, parentes, aprendizes – que instalaram-se na cidade e lá passaram a exercer seus "ofícios". Prudente e a região deterioram-se de uma forma melancólica. Roubos e assaltos multiplicaram-se. Seqüestros passaram a ocorrer... os imóveis perderam mais da metade do valor... a gente está se mudando...
Como brasileiro, eu devo pensar no país, e não apenas na cidade de Cascavel. Mas de que adianta destruir mais uma cidade, se o verdadeiro problema não será atacado? Parece-me óbvio que não é a falta de penitenciárias o problema do grande crime no Brasil, mas a arrogância e o escárnio no olhar dos grandes criminosos. Enquanto o Estado não adotar medidas punitivas que transformem essa arrogância em arrependimento, esse escárnio em respeito, a barbárie continuará a crescer solta.
Que ninguém se engane. A palavra punição ainda não se tornou obsoleta. Como vimos na semana passada, o ser humano tem em sua natureza um impulso agressivo e destruidor, que precisa ser limitado pelos agrupamentos humanos.
Voltando ao ponto: com tantos malefícios, quem em sã consciência defenderia a penitenciária? e por quê?
Ora, tudo neste mundo tem seu outro lado: algum empreiteiro talvez ganhe dinheiro, algum político talvez ganhe poder... A desgraça de uns é o lucro de outros. Assim foi com a Guerra do Iraque, com a escravatura, as cruzadas, a peste negra...
Sobre o Autor
André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.
contato: andre@casadacultura.org
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