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Uma questão de visão de mundo

por Efraim Rodrigues *
publicado em 12/04/2008.

Eu estava velejando a Km da costa quando senti um inseto no meu pescoço.Segurei meu instinto de dar um tapa rápido, já que os únicos insetos que costumam ir tão longe são mutucas. Não era uma mutuca. Tomado por simpatia pela iça, e pelo antropomorfismo de achar que as iças são migrantes que saíram de casa para tentar a vida em outro lugar, eu a coloquei com cuidado no casco do barco, onde ela teria a oportunidade de ficar até voltarmos para terra.

Ela não aproveitou a chance que a sorte deu para ela, e levantou vôo mais uma vez. Não ouvi mais falar dela, mas você pode imaginar que suas chances eram mínimas fora daquele veleiro.

De volta à terra, continuei minha leitura dos jornais que ficaram para trás, para perceber que vem crescendo o consenso ao redor da meta de 450 ppm de carbono no ar, e o máximo de aumento de dois graus centígrados na temperatura da terra.

A única coisa que sabemos com certeza, é que o aumento de carbono está alterando o clima. Ela tanto pode ser do tipo linear: “um elefante incomoda muita gente, dois elefantes incomodam muito mais”, como também pode ser do tipo “qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d’água”, ou seja, um pequeno aumento pode trazer grandes mudanças.

Os modelos construídos pelos pesquisadores, como todos modelos, são baseados em premissas. Sim, eles estão refinando estas premissas, lembre que até poucos anos atrás, ainda havia quem duvidasse que estamos diante de uma alteração climática causada pelo homem. Havia, por exemplo, quem dissesse que o culpado eram as manchas solares. Um a um, os argumentos contra foram desmontados, e hoje a discussão sobre o efeito estufa ser ou não causado pelo homem já nem vende mais sabão.

No entanto, nossa capacidade de prever o que será de nós em meio à concentração crescente de carbono na atmosfera é tão embasada quanto à da iça que decidiu continuar tocando a vida como se aquele barco não fosse sua última chance.

Para os que, ao contrário dela, conseguem enxergar o contexto de onde nos encontramos, a situação é muito simples. Todos e cada um têm que gastar menos carbono e ponto. Não adianta eu poluir pouco e você poluir no meu lugar. Não adianta os ricos passarem a poluir menos. Não adianta os que poluíram mais no passado, passarem a poluir menos.

Se conseguirmos nos organizar para emitir menos carbono, só daí teremos a chance de enfrentar outros problemas mais complicados, como a crise da água e da extinção de espécies.

Sobre o Autor

Efraim Rodrigues: Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br) é doutor pela Universidade de Harvard, Professor Adjunto de Recursos Naturais na Universidade Estadual de Londrina, Consultor do Programa Fodepal da FAO-ONU e Editor da Editora Planta, sem fins lucrativos.

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