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DEZ FILMES para se levar para uma ilha deserta

por Chico Lopes *
publicado em 16/11/2007.

Para quem aprecia Cinema, foi lançado pela Publifolha há alguns anos, um livrinho chamado "Ilha deserta - Filmes". Proposta curiosa: sete autores famosos, entre críticos cinematográficos, cineastas e escritores, falam dos dez filmes preferidos que levariam para uma ilha deserta. Os autores são o teledramaturgo Agnaldo Farias, os críticos de cinema Amir Labaki e Inácio de Araújo, o escritor Bernardo Carvalho, a socióloga Isa Grinspum Ferraz, o documentarista João Moreira Salles e o cineasta Ugo Giorgetti.

Essas listas dos "dez filmes preferidos", em geral solicitada a cineastas, críticos e personalidades da cultura, foram uma mania em outras épocas, quando a cinefilia parecia mais vigorosa; hoje, parecem impressionar e influir menos, porque o peso da crítica cinematográfica sobre o público é consideravelmente menor. Os gostos mudam depressa demais hoje em dia e quase não há tempo para a dedicação contínua e sistemática a uma obra cinematográfica a ponto de torná-la objeto de um culto recorrente e, sem esse tempo, sem essa disposição de espírito, não há apego ao que se vê (a descartabilidade é endêmica e frenética), não havendo, portanto, um mecanismo sólido de eleições.

Lendo as opiniões, é interessante descobrir que na lista de Farias dispara na frente o "Quanto mais quente, melhor", comédia de Billy Wilder que todo mundo conheceu e amou (até certa altura, pelo menos). Ugo Giorgetti, saindo um pouco dos clássicos previsíveis, coloca na frente "O terceiro homem", thriller de Carol Reed que se celebrizou pela fotografia em preto e branco e a presença de um vilão cativante feito por Orson Welles. João Moreira Salles confessa-se não-cinéfilo e prefere eleger documentários - em geral, desconhecidos de um público mais amplo - como seus favoritos, dando depoimentos que podem interessar muito a quem gosta do gênero e o conhece pouco. Isa Grinspum Ferraz começa com "Deus e o Diabo na terra do sol", de Glauber Rocha, Amir Labaki com "Um cão andaluz" de Luis Buñuel, Bernardo Carvalho com "Solaris", de Tarkovski, Inácio Araújo com "O testamento do Dr. Mabuse", de Fritz Lang. Curiosidade é que aparece até "Um cara muito baratinado", de Richard Benjamim, na lista de alguém. Não é de modo algum um cânon perfeito. Nessas coisas a subjetividade hostil reina e eu não gostaria de ficar perto de Carvalho, em cuja ilha estariam sendo exibidos filmes respeitáveis, mas a meu ver profundamente chatos, de Tarkovski e Carl Dreyer. Mas, teria que compreendê-lo, democraticamente. Em geral, o que o crítico aprecia pode estar a anos-luz da preferência mais elementar do público e, com o gosto cinematográfico, a batalha pela supremacia da subjetividade é tão demente que é bom nem tentar ser categórico.

AUSÊNCIAS NOTÓRIAS, PAIXÕES SOB AÇÃO DO TEMPO

É praticamente impossível manter uma lista fixa de dez filmes eleitos por toda uma vida, devido à natureza industrial do Cinema e às mudanças de opiniões com o avanço do tempo, que são inevitáveis. Há nesse livrinho a ausência notória de um filme que freqüentava as listas dos dez maiores de todos os tempos com constância infalível, até os anos 60: "Cidadão Kane", de Orson Welles. Welles está presente, mas com filmes menos óbvios como "A marca da maldade" e "É tudo verdade".

Também alguns filmes de Chaplin, Eiseinstein, Murnau, que eram inevitáveis nessas listas, não estão nesse livrinho. No entanto, há muitas escolhas esperadas, de Resnais, Kurosawa, Godard, Antonioni e dos Hitchcocks de que ninguém escapa. Mas, outra ausência clamorosa: Ingmar Bergman. Cadê "Persona", "Gritos e sussurros", "O sétimo selo"?

As paixões se relativizam, com o tempo. Rever filmes muito queridos, que se viu apenas no Cinema ou em algum VHS desbotado em tempos recuados, pode dar em surpresas meio melancólicas, como aquelas que nos assaltam quando topamos com velhos amigos não revistos há décadas. Não conseguimos mais ser ingênuos em relação ao que vemos e começamos a ficar constrangidos com aquilo que nos emocionou no passado, sentindo que fomos mistificados por nós mesmos, que nos deixamos arrastar por alguma justificação que caducou ou algo parecido. O olhar treinado, as experiências que os anos dão, fazem seu efeito contra a nossa vontade.

Aconteceu-me isso, recentemente, vendo dois filmes muito famosos, um de Luchino Visconti e outro, mais comercial e hollywoodiano, de Blake Edwards. De Visconti, revi "Morte em Veneza" e, a certa altura, comecei a me remexer na cadeira, impaciente com a lentidão do filme, cuja beleza é inegável, mas tem um tal langor e uma tal dilatação que exige um estado de espírito especial para vê-lo. Acho, hoje em dia, que foi um erro transformar o escritor Von Aschenbach do livro original de Thomas Mann num compositor inspirado em Gustav Mahler. As discussões de Von Aschenbach com outro músico, em flash-back, são de um pedantismo bombástico e insuportável. O filme é lindo pela fotografia, pela cenografia, pela música de Mahler (que não nos sai da memória), mas é também particularmente decadentista e não fosse Dirk Bogarde no centro de tudo (com que dignidade ele atravessa aquilo!), não se sustentaria. Tadzio (Bjorn Andressen) e a mulher de Aschenbach (Marisa Berenson) pouco são além de manequins de moda Belle Epóque. Ninguém nega a grandeza de Visconti, mas ele se deleitava em auto-indulgências duvidosas.

De Edwards, revi "Bonequinha de luxo", e compreendi o que o escritor Truman Capote, autor do livro original, sentia, quando não gostou da escolha de Audrey Hepburn para o papel principal - ele queria Marilyn Monroe, para quem aquele papel de garota de programa, com aquelas frases, cairia como uma luva. O filme é uma operação Hollywood de atenuação da realidade - mostra duas criaturas de programa, Holly e o namorado (este, sustentado por uma decoradora de meia-idade) como criaturas que se redimem pelo amor. Com a música maravilhosa de Henry Mancini, com o encanto de Hepburn (cuja doçura sugere angelitude, não prostituição), a gente aceita tudo, aceita que as arestas sejam aparadas. Mas que há algo de constrangedor nisso tudo, há. Talvez haja aí até uma lição bem à Hollywood, que vale para nossa mania de nostalgia: é melhor não olhar a fundo nem pensar muito, diante de certos filmes.

Ou, olhando para dentro da gente, que ruínas restaram de algumas crenças!

DEZ PARA A MINHA ILHA

Caso o leitor queira saber quais filmes um crítico menos conhecido - eu - levaria para uma ilha deserta, não me acanho em fornecer uma lista, ainda que sem querer fazer proselitismo algum (afinal, eu ficaria sozinho na tal ilha, e a solidão, para os que fazem certas escolhas, não é tão ruim assim): começo com "Um corpo que cai" (sobre que Araújo escreve muito bem, no livrinho) de Hitchcock, e, depois, "Apocalypse Now", de Coppola, "Blade Runner - Caçador de andróides", de Ridley Scott, "Veludo azul", de David Lynch, "Os inocentes", de Jack Clayton, "Os pássaros" (de Hitchcock), "A estrada da vida" de Fellini, "Rastros de ódio" de Ford, "O enigma de Kaspar Hauser", de Herzog, e "O leopardo", de Luchino Visconti.

A metáfora da ilha deserta é perfeita para a solidão do gosto e pelo apuro da cinefilia, coisas cada vez menos compreendidas na época em que estamos. Principalmente quando se fala de grandes filmes do passado, compartilhados por apreciadores que vão envelhecendo e só falam de seus prediletos é com outras ilhas num mar de destroços estéticos.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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