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DESEJO DE NATAL
por Pablo Morenno
*
publicado em 22/12/2006.
Uma colega de trabalho teve a idéia este ano de trazer uma caixinha com cartas de crianças ao Papai Noel dos correios, para que fizéssemos nossa boa ação de Natal, e pudéssemos começar o ano novo com a consciência tranqüila. Lendo uma e outra cartinha, me lembrei do tempo em que, menino pobre do interior, todos os natais do Papai Noel uma patrola, ou uma motoniveladora, num vocabulário mais técnico.
Estou envelhecendo e nunca a patrola chegou. Revirando as cartinhas dos correios, entre os olhares surpresos de meus colegas, aquele desejo de pobre - desejo de coisas simples e insignificantes - reaflorou. Meu desejo floresceu incentivado por esses pedidos de material escolar, chinelo, bola, remédios, roupas, boneca, ursinhos. Desejo de criança pobre não ultrapassa os vinte reais.
Trinta e poucos anos. Nunca ganhei a patrola da infância. Cresci, estudei, me casei, estou menos pobre, mas aquele desejo antiquíssimo ainda implora deixar de ser desejo e morar em um canto da casa.
Como posso realizar um desejo dos outros se dentro de mim há uma criança com um antigo desejo pendente?
Eu em minha mesa. Perdido entre carimbo e processos. Um menino com vermes na barriga e desejos no cérebro. A patrola! A patrola! Enorme, amarela. Duas lâminas fortes. Lâmina para estradas estreitas e amplas. A patrola abria a terra vermelha, deslizava suas rodas pesadas e pretas, garras e vincos cravando o cascalho. E ia derrubando tocos, árvores, arrancando pedras. Eu desejava aquele bicho raro e amarelo abrindo caminhos no horizonte, entre as plantações e os matos, entre um mundo pequeno e um outro.
18 horas. Fim do expediente. Lojas ainda abertas, muitas, nenhuma patrola. Longe do centro, quase na periferia, lá estava ela me esperando. Saldo de dois ou muitos anos, me contou a vendedora. Na cidade, poucos meninos tem desejo de patrola no Natal. Ela foi ficando ali, abandonada como antiga lembrança. Deve ter esperado trinta e poucos anos, eu sair do interior, melhorar de vida e quase esquecê-la. Abracei-a na prateleira, paguei com cartão de crédito, e a trouxe pra casa.
Desejo desfeito, desejo virado coisa, devo seguir a vida de gente grande, nesta estrada aberta sem horizonte, nesse muito que o mundo nos pede. Muito, ou muito pouco. Embora nem tão pobre, continuo com essa poderosa capacidade de continuar desejando. Realizado o desejo de infância, estou pronto. Tomarei o brinquedo nas mãos pela última vez. Amanhã ele estará num pacote bonito, lá na Vila Beira-Trilhos, na casa do Mateus que, exatamente como eu há trinta e poucos anos atrás, escreveu ao Papai Noel dos Correios pedindo uma patrola neste Natal. A única diferença: ele não precisará esperar tanto tempo.
Feliz Natal!
Sobre o Autor
Pablo Morenno: Pablo Morenno nasceu em 21.05.1969, em Belmonte, SC, e mora em Passo Fundo, RS. É licenciado em Filosofia e bacharel em Direito. Também é professor de Espanhol em cursinhos pré-vestibular, músico e servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho/4ª Região, e pinta nas horas vagas. Escreve uma coluna semanal de crônicas no jornal O Nacional, de Passo Fundo RS, e Nossa Cidade de Marau-RS. Colabora com os jornais Zero Hora, Direito e Avesso, e com sites de leitura e literatura. É Membro da Academia Passofundense de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono é Érico Veríssimo. Como animador cultural e escritor, participa de projetos de leitura do IEL- Instituto Estadual do Livro do RS e de eventos literários no Rio grande do Sul e Santa Catarina. Com suas palestras interdisciplinares e descontraídas, utilizando-se de histórias e da música, conversa com crianças, jovens, pais, professores e idosos sobre a importância da leitura e da arte na vida.Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno
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