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Pau-d água e Palmito
por André Carlos Salzano Masini
*
publicado em 10/09/2003.
Eu, muitas vezes. Recordo de uma, assim que me formei em geologia. Fora contratado por um empreiteira para trabalhar com pesquisa mineral, na Bahia. Mas, no instante em que lá cheguei, descobri desanimado que além de não entender nada do que estava sendo feito, não entendia sequer a língua que aquele povo falava. Eram engenheiros, sondadores e outras criaturas endiabradas dizendo extravagâncias como "Munck", "jeriqueiro", betoneira de não sei quantos "traços", e coisas ainda piores.
Mas de todas aquelas palavras a mais misteriosa era um certo "comboio". Era "comboio" pra cima, "comboio" pra baixo, "comboio" o tempo inteiro... mas eu olhava pra todos os lados e não via comboio nenhum (que eu supunha ser uma fila de veículos).
Para piorar ainda mais as coisas, o diretor presidente da empresa havia chegado ao local junto comigo e, bem no meio do canteiro, aproximou-se e começou a discutir detalhes do danado do "comboio" com um engenheiro a meu lado. Falavam de gasolina, diesel, óleo, graxa... e quanto mais eu escutava menos entendia. Fiquei lá, de sorriso amarelo, balançando a cabeça pasmado, até que tive a "brilhante" idéia de escapar dali fingindo que precisava pegar uns "mapas" no alojamento.
O leitor já deve estar imaginando que o plano deu errado. E deu, pois o presidente me disse:
– Já que você vai lá, aproveite e avise pra cozinheira não esquecer de encher bem o comboio, pois ontem estava faltando óleo.
Cozinheira?! Óleo?! mas que diabo teria a cozinheira a ver com o comboio?!
– Claro, aviso sim, pode deixar... – disse eu desnorteado.
Pouco depois, no alojamento:
– Comboio?! – pergunta a cozinheira assustada – eu não sei o que é isso não!
Saí dali correndo e fui falar com um certo peão de barba branca, que me ajudara naquela manhã a cavar uma trincheira e que trabalhava na empresa há anos. Abri o jogo com o homem. Ele disse:
– Ora, engenheiro, você não viu por aí um caminhão que carrega oito tambores e um monte de mangueiras?
– Vi.
– Pois aquilo é o comboio. Ele serve para abastecer e lubrificar os tratores e máquinas na própria obra, sem que elas tenham que se locomover.
Pensei um pouco...
– Mas o que tem a cozinheira a ver com o diabo do caminhão?
– Ah!... sabe aquela cestinha que fica na mesa, com quatro garrafinhas de vidro: vinagre, óleo, sal e pimenta... que serve para temperar salada?
– Sei, e daí?
– Você não acha que aquilo parece o caminhão?
– É... – concordei – até que parece.
– Pois nós chamamos aquilo também de comboio.
Quem diria! No fim das contas o tal comboio era apenas o caminhão de abastecimento e o galheteiro!
Mas coisa pior aconteceu em São Paulo, com uma velha senhora italiana:
Um certo geólogo italiano (que eu conhecera anos antes no exterior) viera a São Paulo e, não sei bem por que motivo, trouxera também a sogra. A velha era uma simpática italiana que ria o tempo todo, mas enxergava mal, ouvia pior ainda, e vivia se esquecendo das coisas. Ela gostou de mim logo de cara e pediu-me que a levasse a um passeio pelo centro de São Paulo.
Lá fomos nós, pela Praça da República, onde ela mal reparou nos artesanatos, mas subitamente parou maravilhada diante de troncos de palmito frescos espalhados sobre uma lona. Eu expliquei o que eles eram, e ela gargalhou de satisfação e comprou um.
Continuamos a caminhar, e ela continuou mostrando fria indiferença por bijuterias, quadros e esculturas... mas parou novamente maravilhada diante de um vendedor de pedaços de pau d água. Eu expliquei que bastava deixar um daqueles cilindros de madeira sobre um prato com água, que ele logo criaria raízes e soltaria uma belíssima folhagem. Ela mostrou-se encantada e comprou.
Ao chegarmos ao hotel, ela mostrou orgulhosa o palmito e o pau d água a meu colega, e eu lhe expliquei o que era uma coisa e outra.
Cerca de um mês depois, o homem ligou da Itália. Parecia abatido. O "palmito" fora impossível de comer ou sequer de descascar. Era duríssimo. Eles haviam até tentado cozinhá-lo por horas... O "pau d água" não havia soltado raízes nem folhagem. Eles haviam insistido por um mês, mas ele começara a apodrecer, e a água a soltar um cheiro tão horrível que tiveram que jogar tudo no lixo.
Sobre o Autor
André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.
contato: andre@casadacultura.org
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