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Falando de sexo com Ian McEwan

por Noga Lubicz Sklar *
publicado em 24/06/2007.

— Hello! Got a question?

O olhar apertadinho da apresentadora e seu piscar maroto, meio nervoso; um sorriso de esguelha: nada disso parece eficaz pra disfarçar uma certa (e justificada) dose pública de constrangimento. Do outro lado da linha, uma voz máscula, grave, muito séria: John. "Hi, John, got a question?" Claro. Ele tem.

— Sexo oral transmite Aids, Dra. Sue? (não sou doutora: a velhinha se apressa em esclarecer.)
— Sim. Transmite. Seu parceiro é homem ou mulher? (normal)
— É mulher.

Gente. O que é Sue Johansen? Assisti o programa dela pela segunda ou terceira vez, na esteira da insônia pre-lançamento do Hierosgamos: a cabeça não pára, não desliga nunca e aqui estou no GNT, à meia-noite, assistindo a Talk Sex e suas recomendações absurdas, coisas que na maioria, tenho certeza, a pobre da Sue nunca experimentou.

Nem passou perto. Certo. Faço tudo por dinheiro — no caso dela um bom dinheiro — e alguma notoriedade: quer melhor garota-propaganda pra vender brinquedinhos sexuais com seriedade do que esta vetusta enfermeira que sabe "tudo" de sexo? (da mecânica médica do sexo, da doença, do nojo de sexo, pode até ser) E Sue tem lá seus fãs, gente que liga... e pergunta mesmo. Se oportunidade tivesse, garanto que a bela e sensual (??!!??) Florence, de "Na Praia", seria das primeiras a ligar pra ela, "hei, Sue, odeio sexo... nem beijo eu suporto, me dá vontade de vomitar. Você acha que sou frígida?" Ops. Florence não fala jamais de sexo, e foge da intimidade como o diabo da cruz.

Sim, acabei sucumbindo e estou lendo "Na Praia". Se você aí acha que ainda não li o suficiente pra criticar, bem: estou na página 50, já folheei o livro inteiro e sei como termina. Aliás, sei até um pouco mais do que a autora de uma resenha na Folha de São Paulo, que descreve o livro como um ato sexual de 130 páginas, ah, gente, essa aí é que não leu mesmo. É um livro que fala de tudo, menos do ato sexual, bem, hum, há uma tentativa patética de (praticar, não de descrever, deixo bem claro) sexo em uma meia dúzia de páginas, e que acaba... calma, gente. Eu conto daqui a pouco. Ian McEwan faz literatura pura, daquelas recheadas de metáforas e de uma riqueza vitoriana de detalhes, evocando um calvário de Tintoretto onde eu, sinceramente, preferiria um bom Picasso.

E o que são Edward e Florence, o casal pudico de nubentes em Chesil Beach? Dois virgens de vinte e poucos anos, travados e ansiosos, na swinging London dos Beatles, de Mary Quant, em plena revolução de costumes? Fala sério. Nunca entendi direito esses ingleses pomposos (dos vanguardistas até que gosto, e bastante), resquícios de império decadente, só pode, um povo empostado cujo forte é, na verdade... o humor. Não consigo engolir, nem Monty Python* explica... mas quem sou eu, não? McEwan sim — com sua fleuma bem britânica — deve saber do que está falando, mas pra mim, a ejaculação precoce dele só cola mesmo nos personagens meio retardados — no mínimo, um bocado retardatários — que ele cria em seu romance.

Enquanto o Edward de "Na Praia" divaga e se atormenta, sem saber como abordar a noiva na noite de núpcias, o Alan Edward de "Hierosgamos" vive os anos 1960 imerso em "mind-blowing magic", fazendo mímica pelas madrugadas de São Francisco, morando em Telegraph Hill com uma pintora de vanguarda e ouvindo Bob Dylan em seu bar preferido. E quanto a Florence? Beijo de língua, pra ela, só com anestesia de dentista, e daquelas bem fortes, pra tratamento de canal. Penetração? Só com peridural, e de preferência, bêbada! Ops. Florence não bebe. Não cheira. Não goza. E por falar em dentista, de volta a Sue Johansen e seus esdrúxulos conselhos.

— Preste atenção, John. Vê este filme de borracha? — pra meu completo horror, Sue Johansen pega um pedaço azul de borracha fina, daquelas que dentistas usam para... tratamento de canal... cobre a boca com ela e põe pra fora a língua, em movimentos lascivos. Gente. Eu não agüento. Ela sugere a John, ao vivo e a cores, um cunilíngua através da borracha, pra que o amante não se contamine. Quem sabe assim Florence não teria fugido? Com preservativo, pelo menos, a ejaculação precoce de Edward não teria espirrado na coxa dela, nem ressecado na pele macia dela, e quem sabe assim, ela não teria fugido de Edward na noite de núpcias, frustrando pra sempre a dolorosa expectativa amorosa de ambos. Por aí já deu pra ver o que houve — e há — de sexo em Chesil Beach. Não me entendam mal: o livro é profundo. Emocionante. É sim. Se McEwan eliminasse dele qualquer referência a sexo se sairia bem melhor, ou se pelo menos enfiasse Edward e Florence numa máquina do tempo e os despachasse para a Inglaterra vitoriana... pode até ser.

Tá certo. McEwan não é nenhum Nelson Rodrigues, que aliás — diz o Segundo Caderno no Globo de hoje —, foi aplaudido e vaiado em sua estréia no teatro como ator. "Nelson Rodrigues é um gênio, e por isso é combatido", diz meu ex-tio Nahum Sirotsky. "O autor é imoral", afirma o vereador Leite Passos. Ops. Peraí. Tem algo errado aí... Ah, bom. Diz o título da sessão: "Há 50 anos", agora sim, entendi tudo... E vocês, entenderam? Até o nosso Brasil pre-ditadura, no início dos anos 1960, era mais "pra frente" que o Edward e Florence de Ian McEwan, imaginem! Já tinha engolido o gênio devasso de um brilhante e polêmico Nelson Rodrigues, não por acaso o homenageado deste ano na FLIP.

* Pra quem não conhece: Monty Phyton é uma espécie de Casseta e Planeta inglês dos anos 1960

Sobre o Autor

Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.

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