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VLS, o foguete brasileiro
por André Carlos Salzano Masini
*
publicado em 03/09/2003.
Como era de se prever, alguém logo percebeu que aquelas coisas serviriam para uso militar; e já a partir do século XIII existem evidências do uso de foguetes militares pelos chineses. Mas os resultados práticos dessas geringonças não foram muito satisfatórios, mostrando-se muito inferiores aos das espingardas e canhões; pelo menos até a segunda guerra mundial.
Às vésperas desse conflito, diversos países desenvolveram pequenas armas propelidas a foguete, mas foi a Alemanha, com a equipe de cientistas liderada por von Braun, que construiu o precursor de todos os foguetes da atualidade: o V2.
Ao final da guerra, EUA e União Soviética travaram uma acirrada corrida para se apoderarem dos cérebros e equipamentos por trás dessa arma tão avançada.
Os EUA capturaram von Braun, e a União Soviética tomou o que restava das instalações industriais em Peenemünde. Mas na época nenhum dos dois lados fazia idéia da importância que os foguetes viriam a ter em um futuro próximo, importância estratégica, muito mais ampla que seu uso militar.
Em 1947 foi inventado o transistor e, com ele, multiplicaram-se exponencialmente as possíveis utilidades de um artefato colocado em órbita. Os satélites ganharam o potencial de realizar sensoriamento remoto: obtenção à distância de inestimáveis informações sobre clima, feições geográficas, vegetação, uso do solo, queimadas, geologia, mobilizações militares e uma infinidade de outras coisas. Isso sem falar nas telecomunicações.
Hoje, satélites são utilizados por quase todos os países do mundo. Mas para colocá-los em órbita são necessários foguetes, e estes são prerrogativa de: EUA, Europa e Ucrânia (ex URSS); além de China, Japão, Israel e Índia, que suprem apenas necessidades próprias ou locais.
Isso significa (e agora chegamos ao ponto principal) não apenas um mercado multibilionário de lançamentos, mas algo muito mais importante: a diferença entre dependência e auto-suficiência. Os EUA cobram cerca de US$ 15 a 20 milhões por um lançamento com o foguete Pegasus, mais da metade disso é lucro, lucro que é inteiramente revertido para o aperfeiçoamento do programa espacial deles. Mas, acima da questão econômica direta, está o problema da dependência, que na prática significa que hoje só podemos lançar coisas que os EUA inspecionam e aprovam. Ou, em outras palavras, que a Embraer jamais poderá competir com a Boeing, se para tanto necessitar de algum tipo especial de satélite.
É exatamente por isso que os EUA boicotaram o programa espacial brasileiro desde seu início (e "convenceram" a Argentina a extinguir seu programa Condor , similar ao nosso). Exatamente por isso o nosso Veículo Lançador de Satélites, o VLS, é tão importante.
Entrevistei nesse domingo um graduado funcionário do Instituto de Aeronáutica e Espaço, e fiquei impressionado com as imensas dificuldades enfrentadas a cada mínimo detalhe do desenvolvimento do VLS: a recusa dos EUA em vender peças ou realizar qualquer tipo de intercâmbio; a ampliação desse boicote que, com o avanço de nosso projeto, alcançou países europeus que antes haviam intercambiado tecnologia conosco. Acima de tudo fiquei espantado com a imensa abnegação necessária para se trabalhar com ciência e tecnologia neste país, onde o governo não prioriza tais áreas: baixos salários, falta de recursos, desprestígio...
Porém, surpreendentemente, apesar de todas essas dificuldades, nosso programa espacial caminha bem. Basta examinarmos um pouco a história do programa estadunidense para ver que a série de acidentes e fracassos deles é incomparavelmente maior que a nossa, e que os recursos por eles investidos foram infinitamente maiores. Isso para não falar nos soviéticos e chineses.
Portanto, aos engenheiros e técnicos que têm levado adiante o projeto VLS, eu só poderia dizer:
– Parabéns! Sigam adiante! Vocês são verdadeiros heróis de nosso país.
Aos que morreram na tragédia do último dia 22, a homenagem maior será o sucesso final do programa espacial brasileiro.
Sobre o Autor
André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.
contato: andre@casadacultura.org
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