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A menina e os fantasmas do pai: "O labirinto do fauno" é grande cinema

por Chico Lopes *
publicado em 01/06/2007.

É preciso admitir que, mesmo em meio a uma enxurrada de filmes ruins ou discutivelmente bons, o Cinema pode sempre guardar surpresas de grande qualidade. Eu me irrito com os filmes que ando vendo ultimamente, por necessidade profissional ou curiosidade pessoal, e descobrir, de repente, um filme como "O labirinto do fauno", decididamente me reconcilia com o que já se chamou de "Sétima Arte". De novo respiro fundo, contente, extasiado, e volto a crer nas possibilidades artísticas da indústria.

"O labirinto do fauno" é, por incrível que pareça, dirigido por um cineasta que, na América, já fez coisas como "Blade II" e "Mutação", embora tenha feito também uma criativa e elogiável transposição de gibi em "Hellboy". E tenha feito, antes disso, na Espanha, um filme de suspense e sobrenatural admirável, "A espinha do Diabo", também tendo como cenário a Guerra Civil espanhola. A impressão que se tem é que o mexicano Del Toro se dá melhor é filmando na Espanha, pátria com a qual a sua tem uma filiação óbvia, tal como Penélope Cruz, quando volta para a Espanha, tem suas melhores interpretações, nos filmes de Almodóvar. Certas aclimatações de atores e cineastas europeus ou latino-americanos na América seguem sendo problemáticas.

"O labirinto do fauno" acontece em 1944, quando a Guerra Civil já acabou, mas sobram focos de rebeldia, no caso, nas montanhas ao norte de Navarra, onde há um grupo de rebeldes caçados por uma guarnição militar de Franco, chefiada por um certo Capitão Vidal (Sergi Lopez). Para lá rumam a mulher de Vidal, Carmen (Ariadne Gil) e sua filha, Ofélia (Ivana Baquero). Carmen está grávida, e não há dúvida - pela concepção ultra-machista do marido (que é seu segundo, e não é pai de Ofélia), o filho terá que ser um menino. As duas se instalam no quartel, desde o primeiro momento intimidadas pelo reinado autoritário do capitão, que a tudo se estende. Ofélia, decididamente, não gosta de nada do que vai encontrando.

Mas, saberemos, desde o início desse filme admirável, que a história que se contará é a dela - desde a primeira imagem, quando é mostrada em agonia, sob azulada luz lunar, e se narra a fábula de uma certa princesa que foi destruída pela luz solar ao sair do seu reino noturno e subterrâneo, estamos nos passos de Ofélia. E ela faz um gesto inaugural perfeito, devolvendo a uma certa estátua um pedaço que lhe faltava, deparando-se com uma espécie de libélula gigante que passará a segui-la. Entramos, portanto, num filme que, na verdade, mantém duas realidades em paralelo: a fantástica, da fábula da princesa, e a histórica, que é na verdade um daqueles pesadelos políticos que constituem o que se pode chamar de "mundo cruel". Não que a realidade fantasiosa não tenha boas doses de crueldade, mas é, sem dúvida, mais tolerável que o franquismo e seus demônios - à frente deles, disparado, o odiento e absurdamente machista Cap. Vidal.

Planos que se interpenetram: a princesa da noite e o pai usurpador

"O labirinto do fauno", que tem relação direta com "A espinha do Diabo", de Del Toro, em certos momentos, por sua concepção, lembrou-me o excelente "O beijo da mulher-aranha", do brasileiro Hector Babenco. Há algo em comum entre essa menina sensível, que se refugia numa fantasia delirante para fugir do franquismo, e o homossexual Molina que, na sua cela de prisão, fantasia filmes, que conta a um outro prisioneiro. Aí, a estratégia é filmar em dois planos, que se distanciam e, em dados momentos - realmente mágicos e gratificantes, para o espectador - se encontram, revelando os fios que costuram um mundo a outro. Munida de um giz, Ofélia riscará na parede passagens para o mundo de fantasia - um gesto que Molina poderia ter feito, para abolir aquelas grades.

Em redor de Ofélia, só há grades: nada é pior do aquele padrasto, um vilão vivido magnificamente por Sergi Lopez (que esteve ótimo também como vilão em "Coisas belas e sujas", de Stephen Frears: era o gerente daquele hotel londrino). Sua mãe está tendo uma gravidez problemática, e tudo que importa a ele não é o sofrimento da mulher, mas que seu varão nasça - diz ao médico que, se tiver que escolher, é a sua esposa que deve morrer: é, como todo machão megalomaníaco, um narcisista em primeiro grau - só faz sentido ter um filho homem, para dar sucessão ao pai militar machão de que descende, e de quem carrega um relógio que assinala seu pacto com o Tempo, a Morte e a sucessão masculina. Sujeito mais egoísta e unilateral, impossível. E, servido pelo charme de Lopez, é mais perigoso ainda.

Saberemos que tudo é mesmo fantasia, com certeza, quando, em belíssima cena, Ofélia faz com que a libélula gigante que a segue se transforme numa fada, mostrando ao inseto o que é uma, num dos livros de fábulas que traz consigo. Mais à frente, numa outra cena magnífica, ao falar com o futuro irmãozinho na barriga da mãe, vemos o feto, vemos os espinhos que ela vai descrevendo e, saindo desse emaranhado, a libélula. Seguiremos, então, para o mundo está o Fauno, um achado em termos visuais, um bode-Pã-árvore, que tremula e orneja, que é a um só tempo, ameaça, persuasão, lascívia e delicadeza. Pensei, por alguma razão, em algum dos desenhos eróticos de Picasso. Essa figura mitológica depende, na verdade, de Ofélia - é todo um reino de sonho que ficou ameaçado assim que a princesa fugiu dos subterrâneos para a destruidora luz solar. Ela terá que passar por três provas para reconstituir aquele mundo e recuperar seu trono.

Vai-se percebendo, na narrativa, que Del Toro está lidando com imagens do Pai - começando por esse pai lendário de Vidal, que morreu no Marrocos e lhe legou o relógio, e outro pai, também invisível, o verdadeiro pai de Ofélia, primeiro marido de Carmen, um alfaiate. Há uma usurpação - Vidal é um padrasto, Ofélia não o reconhece como pai. Nesse sentido, há outra espécie de paternidade na figura do Fauno, que é tipicamente masculina, e com toques incestuosos, que negaceia, impõe-lhe missões, condições, tarefas. Ela desce a um mundo de horrores (a cena do sapo pode evocar os esgotos que Del Toro filmou em "Mutação"), mas, ainda assim, sente-se menos medo dele do que do mundo da superfície, solar, "normal", onde reina o Cap. Vidal (basta ver a cena em que ele esmaga o rosto de um pobre camponês aterrorizado com uma garrafa para se ter certeza de que o horror mais profundo está é no mundo real, não nas trevas subterrâneas).

Ofélia, que em sua identidade mágica é a princesa, é uma criatura lunar, está bem no escuro, e a fotografia é esplêndida, pois a vemos à vontade entre sombras, escuros e azulados, enquanto que, sob a luz crua do sol, tudo que acontece é pavoroso ou ameaçador. Ela pertence à Noite, realmente.

Enquanto o Cap. Vidal reina sobre um mundo diurno, implacável. O franquismo, na verdade, é vencedor desde o início. Ofélia, como os rebeldes que se escondem na floresta, vive no reino da clandestinidade. E o final, que é surpreendente e adulto, nos faz oscilar na corda bamba entre realidade e fantasia, jamais deixando claro quem seria um vencedor óbvio.

Esse filme extraordinário deve estar inspirando alguma aversão num público que se acostumou, nesse tipo de produção, a um certo sentimentalismo e a concessões bobinhas. Porque carrega tragédia, poesia e política em doses elevadas para esse público, acostumado a produções do tipo "Crônicas de Nárnia". O franquismo, encarnado pelo capitão, não tem sutilezas: é pavoroso e pronto. Mas, ao fim, acharemos que ele, o capitão, é também vítima de um condicionamento histórico infeliz, de certo modo.

Ao fim, na verdade, descobriremos que Del Toro é um cineasta de primeira e que fez um grande filme, que chega a parecer obra-prima, em certos momentos. Nessa jornada de poesia, nesse caldeirão em que cozinha a narrativa, entrou de tudo: Lorca, Picasso, Borges, Jung, Eliade, e até uma boa dose do "Iluminado", de Stanley Kubrick, na cena em que Vidal, morrendo, persegue a filha desesperada no labirinto. E entrou sobretudo esse rostinho extraordinário da atriz Ivana Baquero, perfeita no papel. E uma dose de coragem e arte muito acima do cinema comercial da atualidade. Graças aos deuses!

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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