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ONDE A MALA LEVA
por Pablo Morenno
*
publicado em 20/04/2007.
As mulheres têm o dom de transformar coisas úteis e simples, em belas e complexas. A mala, que a princípio teria apenas utilidade, passa a necessitar de estética. Minha mulher me ensina que uma mala precisa de beleza e costuras bem acabadas. Forro, várias entradas para a separação das roupas segundo fios e texturas, por cores e turnos de uso. Um espaço para meias, cuecas e calcinhas, perfumes...
Uma mulher revela pequenas importâncias. Cor e forma, rodinhas de silicone, costuras bem acabadas e zíperes com dupla abertura. Detalhes fundamentais das malas boas. Duas semanas pesquisando os preços, analisando cores e tamanhos, tecidos, costuras, bolsos e alças. Por fim, a compra que eu pensara finda em cinco minutos, apesar de toda a pesquisa, gastou-me cinco horas de uma tarde. Além do tempo, a mala consumiu dinheiro equivalente ao pacote da viagem.
O sentido estético não é apenas feminino, é inerente ao ser humano como os detalhes das malas, embora nas mulheres, por motivos óbvios, adquiriu ênfase próprio. Até minha mãe, simples cabocla e camponesa, almejava a beleza em seus feitos. Intuitivamente criava formas geométricas com o milho, a beterraba, o tomate, a couve e a cenoura. Sobre as gastas tábuas de grápia da mesa, dispunha as comidas e cores, os pratos e a toalha, em paisagem única. O que era apenas para enxer a barriga, ultrapassava a função e utilidade. Entre o chiqueiro e a estrebaria, a beleza também desfilava na roça. Embora analfabeta, além da cultura do milho e das favas, ensinava-nos outra.
Por estética, transformamos as casas em lares, as camas em aconchego, as mesas em ceia, as roupas em moda, as cidades em centros urbanos. É pela estética que o útil serve-nos do belo e que a existência pinta-se de vida. Pelo gosto estético nos apaixonamos pela fada e não pela bruxa, damos corte e não tosa ao cabelo, as aberturas passam a ser janelas, os bancos viram poltronas. Por estética o agarramento torna-se abraço e a mordida beijo.
A estética transmuta o animal humano em pessoa, o pedreiro em arquiteto, a costureira em estilista, o anunciante em publicitário, a lei em Direito, a religião em espiritualidade, o narrador em escritor, o professor em mestre, o asceta em santo, o barulho em música, a pedra em mármore, a estrada em caminho, o sexo em amor, um lingote de ferro acorda numa manhã feito escultura.
A estética invadiu a disposição das frutas no supermercado, as impressoras e os computadores, as fábricas e os tambos. Pela estética sumiu a palidez dos cadáveres, os cemitérios tornam-se jardins de paz.
Graças à estética, descobri, ao lavar as mãos para digitar esta crônica no notebook, (recomendação do manual) que o sabonete aqui do hotel, em tons de azul, combina com as toalhas e os azulejos, com o tapete e as cortinas e, pasmem, com os tons da polêmica mala, motivo de discórdia da viagem.
Apenas uma mulher poderia planejar um passeio com tantos detalhes e gosto. Se eu soubesse que aquela mala me levaria a tamanha viagem, jamais teria passado todos estes dias reclamando do preço.
Sobre o Autor
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Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno
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