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Marte e a Terra
por André Carlos Salzano Masini
*
publicado em 20/08/2003.
Por que teria Marte escolhido nós, homens globalizados, e os neandertais? Parece-me uma associação sugestiva... mas na verdade não houve escolha alguma. A aproximação entre a Terra e Marte é fruto de um mecanismo determinado; como o de dois ponteiros de relógio que se encontram a cada 1 h e 5 mim.
Imaginemos que o sistema solar é uma pista oval de atletismo, onde a Terra é um atleta que corre na raia de dentro e Marte outro atleta que corre na raia de fora. O percurso da Terra, na raia de dentro, é mais curto e sua velocidade é maior, por isso ela leva menos tempo para dar uma volta completa: apenas um ano. Marte, na raia de fora, leva quase o dobro: 687 dias.
Imaginemos então que os dois planetas começam a corrida juntos, na linha de chegada. A Terra arranca na frente; quando ela estiver completando a primeira volta (1 ano), Marte terá completado apenas pouco mais que meia volta. Quando Marte estiver chegando para completar sua primeira volta (1,88 anos) a Terra já estará se aproximando por trás para ultrapassá-lo.
Pouco depois de Marte completar sua primeira volta (e de a Terra completar sua segunda) a Terra dará uma volta em cima de Marte (aprox. 2 anos e 52 dias).
O que acontece no espaço – nessa "pista de atletismo" que é a órbita dos planetas ao redor do Sol – é exatamente isso: a Terra ultrapassa Marte a cada 26 meses. Os astrônomos chamam essa "ultrapassagem" de oposição solar (pois para nós, terráqueos, Marte fica exatamente na direção oposta à do Sol).
Porém, se é assim, não deveria a distância ser idêntica em todas as ultrapassagens?
Deveria, se as órbitas fossem circunferências perfeitas. Mas elas não são.
Imaginemos que nossa pista de atletismo foi feita torta, e que a largura das raias não é constante. Na linha de chegada, elas são mais estreitas; na reta oposta elas são mais largas. Assim, quando a Terra ultrapassa Marte perto da linha de chegada, os dois planetas ficam mais próximos (e ambos ficam mais próximos do Sol), quando ela o ultrapassa longe da linha de chegada eles ficam menos próximos. (Os astrônomos chamam a "linha de chegada" de periélio.)
Com que freqüência a ultrapassagem ocorre próxima à linha de chegada?
Basta lembrarmos que a Terra, para ultrapassar Marte, precisou de duas voltas inteiras mais 1/7 de volta (2 anos mais 52 dias). Deixando de lado as voltas inteiras (anos), podemos ver que cada ultrapassagem ocorre 1/7 de volta para frente (52 dias depois) do ponto da última ultrapassagem. Dessa forma, na sétima ultrapassagem teremos dado uma volta completa e estaremos novamente próximos à linha de chegada. Sete ultrapassagens levam cerca de 15 anos.
Portanto, além do ciclo de uma oposição (ultrapassagem) a cada 26 meses, temos um ciclo maior: uma oposição periélica (ultrapassagem próxima à linha de chegada) a cada 15 anos. A última foi em 1988.
Ao notarmos que todas as contas acima são aproximadas, podemos entender que os dois planetas nunca se ultrapassam exatamente no mesmo ponto. O que existe são ciclos cada vez maiores. Depois do de 15 anos, existe o de 79 anos (oposição periélica próxima - a última foi em 1924), e assim por diante, até chegarmos aos 59 mil anos.
Portanto, caro leitor, para observar Marte esta será uma oportunidade única na história. Ele surgirá ao anoitecer, no horizonte, cerca de duas mãos a sul de onde nasce o Sol, e irá subindo até chegar ao zênite por volta da meia noite. Será o objeto mais luminoso do céu, parecendo uma estrela grande e alaranjada, que porém, ao contrário das verdadeiras estrelas, não cintila. Quanto mais alto ele estiver, melhor será a observação. Com um binóculo será possível ver um pequeno disco, e com um telescópio amador será possível distinguir a calota polar sul. A proximidade máxima ocorrerá entre as noites de 26 e 27 (55,78 milhões de km).
Observemos Marte. Antes de nós apenas os homens das cavernas puderam vê-lo assim tão perto; e depois de nós, quem sabe se haverá alguém aqui para ver...
Sobre o Autor
André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.
contato: andre@casadacultura.org
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