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ENTROPIA

por Jorge Pieiro *
publicado em 15/08/2003.

ENTRE FENDAS

Estava por comer todas aquelas sementes. Havia um desmesurado desejo de transformar-se em terra fértil para aquela vegetação rasteira que, a princípio, expulsaria, de dentro para fora, todos os pêlos do corpo, dando vez a uma superfície esverdeada, para em seguida grudar-se à primeira parede, possivelmente aquela de pedras toscas, salientes à entrada do casarão.

Esperou que todos saíssem da sala principal. Encheu o copo com água, para facilitar a ingestão das sementes amareladas. Pensou, por um segundo, ou menos, que faíscas assim, decerto, ainda estão nos alguns e restantes neurônios. Sinapses. Pesou que, pela aparência, ali engoliria fel, as papilas denunciariam semelhanças com aquilo que diziam conter atitudes de mel. Não importaria. Por outro instante, achou que as sementes estariam invalidadas pelo tempo abafado do saco. Ou que tudo fora um pretexto para que fosse mesmo urgente fazê-lo engolir aquilo, aquilo que, na verdade, não passava de veneno.

Sem ninguém na sala, bebeu o primeiro gole. Rasgou, cuidadosamente, o saco. Ardeu um odor de antúrios infecundos. Mesmo assim, por não saber de antúrios, tomou nas mãos um punhado de sementes. Olhou mais uma vez em torno. Ainda teve o desplante de repensar.

((((((( o que é a vida de dentro desse labirinto de aranhas o que é a pira queimando a gola da camisa com o dono da camisa dentro dela o que é também esse instinto de clarividência no antro da bolha se rompendo o que é a vida queimando o instinto se rompendo o que é esse labirinto dentro do antro o que são aranhas com o dono da camisa de clarividência o que é ))))))))

E o que ninguém mais queria era saber que pensar é doer o dente por dentro. Aí, não se conteve. Jogou o punhado de sementes na boca, nem o gosto sentiu, bebeu todo o conteúdo do copo e só estranhou quando - não havia lido, folha à parte deixada pelos que saíram da sala -, engolidas as sementes, sentiu uma profunda ansiedade por todo aquele nada acontecido, mesmo depois de mais um tempo.

Não teria sido correta a dose. Ali, naquele papel à parte, havia somente uma frase, antecedida pelas letras vermelhas de MODO DE USAR: semente para trouxas engolir, tentando o suicídio pela transubstanciação.

Foi muito mais letal o escrito. Pelas frestas da porta, aqueles que saíram, embora ainda ali estivessem em agonizante calar, ainda viram os passos de Ludwitt Heider fendendo a própria vida, des-sendo.
E todos riram, apenas. Nem aí.

PELÍCULA DOCÊ

Eu teria a lua, houvesse bem menor a distância entre as coisas. Assim pensando, acordei, embora uma dor maiúscula, não presente no corpo, me estivesse prostrado entre a cama e meu próprio silêncio.

Sem paralelismos que pudesse influenciar qualquer forma subjugada de pensamento, deixei-me morrer. Índio velho no cenário negro da paisagem. Deixei-me escorrer, pegajoso, ou melhor dizendo, substância plasmática, gel infenso à dor da própria dor.

Ela, sempre ela, aproximou-se. Sequer havia ainda colocado uma veste sobre o frio viçoso. Eu não estava mais ali. O que me restava, então, senão o pesadelo de ter sido, a loteria de um sonho prorrogado, a película no espanto do instante?

(Você poderia me dizer muitas originalidades, mas talvez não soubesse defini-las, embalsamá-las para a próxima eternidade. Você poderia supor uma montanha de virtudes ou macaqueadas sugestões, dissabores, mas, ainda assim, não romperia o fio que separa o soluço do caos. Você estaria somente me matando mais uma vez. E de nada mais adiantaria chorar por essa morte tão repensada, tão repentinamente encomendada, tão fabulosamente cumprida. Você...)

Eu teria a lua, houvesse bem menor a distância entre as coisas. Assim pensando, acordei, embora uma dor maiúscula, não presente no corpo, me estivesse prostrado entre a cama e meu próprio silêncio.


O DEDO DA DESPOSSUÍDA

Não escapei das unhas do meu pai para servir de pó nesse tapete falsificado. Melhor que você, melhor teria sido atender aos apelos, aos rompantes, à insônia do meu pai.

- Edite, venha cá!

A voz era idêntica. O cabelo da barba arruinado pelo sarro, idêntica sina. O velório em meu silêncio já existia naquela época. Eu ia. Eu ias, pode-se dizer, pois aceitava a ânsia dos animais. Apenas... o desejo.

Não sei se vale a pena recordar espinhos. Flor-que-nunca-fui. Perdi a pétala na terra primitiva, regada a sangue.

Não sei de querer pior. E você, agora, tem a espada para me atravessar, eu que já morri. Ou nem nasci.

Pois a cada minúcia, a cada vazio, imaginei tantas vidas, tantas metonímias dentro de mim. Mas não, o que resta é o auge de ausências. Tudo isso. Mesmo, sempre. Nadas.

TARDIO

Morte, único silêncio possível. Deserto impelido à solidão, o que se experimenta contradiz. O sonho dócil para sempre cumprido. O auge da súplica.

Ela me olhava de impaciência. Ainda a amava como grito, vida. Porém, matei-a neste instante.
Não poderia jamais saber que morrer é alimentar fantasias. Agora, resta, não o remorso, mas a minha própria desesperança na morte. Agora, que vivo, senão feito um morto no auge da súplica.

b>ALMA PEQUENA

Ele havia emprestado a escova de dentes para sua madrasta. No meio da sala, ela havia retirado a camisola. Ele jamais ousara vê-la com outros olhos. Ela adquirira o péssimo hábito de beber todas as noites. Ele não se contentava somente com o rosto cheio de espinhas. Ela cuspia no chão.

Naquela noite, Sócrates não pôde imaginar que beberia veneno, ou que mataria seu próprio pai. Uma coisa ou outra valeria a pena.

Deitou-se no sofá e esperou.

Sobre o Autor

Jorge Pieiro: Jorge Pieiro é escritor e professor de literatura. Auto de várias obras:
• Caos Portátil (contos). Fortaleza: Letra & Música, 1999.
• Galeria de Murmúrios (ensaio). Fortaleza: [s/n], 1995. (Cadernos de Panaplo).
• Neverness (poema). Fortaleza: Resto do Mundo/Letra & Música, 1996.
• O Tange/dor (poemas). Fortaleza: [s/n], 1991.
• Fragmentos de Panaplo (contos breves). Fortaleza: [s/n], 1989.
• Ofícios de Desdita (ficção). Fortaleza: IOCE, 1987.

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