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Grandes críticos de cinema: anacronismos na era do consumo cultural
por Chico Lopes
*
publicado em 15/12/2006.
Como não sou a maioria nem quero ser, como me dedico aos filmes de outro modo, tudo que posso fazer é mesmo lamentar.
Não há nada de novo no que estou dizendo, mas, nos últimos anos, a crítica de cinema como mero guia de consumo cultural foi se agravando ao ponto de as pessoas nem mais compreenderem direito o que se escreve sobre um filme, quando se escreve longamente sobre ele. As publicações sobre Cinema, claro, revistas especializadas, continuam a existir, mas são lidas por um público específico e minoritário. O mesmo se dá com os sites da Internet. Na verdade, acabaram sendo estes os refúgios naturais de uma crítica menos previsível, mais matizada, com referências culturais mais relevantes. Ainda assim, por hábito, pelo que percebo, até mesmo na Internet a maioria dos leitores vai buscar coisas menos elaboradas, mais curtas. Por preguiça mental, ou porque não quer abrir mão de uma idéia muito entranhada no consumo cultural contemporâneo - a de que a concisão é tudo. A brevidade é incontornável, e que cada um se ajuste a ela como puder - as pessoas de talento, que façam dele cápsulas, sínteses, reduções acessíveis.
Isso parece de uma lógica muito natural, mas nasceu como decorrência das exigências empresariais dos jornais. Espaço é dinheiro. É preciso racionalizar. A cultura que se dane...Em geral, pouco diferem, esses senhores que aparentemente vendem informação e cultura, de fabricantes de sabão.
Muita gente se acostumou a essa dieta preguiçosa e superficial e só lê sob essas condições. E pensa que ficou bem informada, assim.
Melhor nos livros
Para falar de crítica de cinema, afirmo que é melhor procurá-la em livros, fugindo ao aspecto circunstancial, impositivo, dos comentários de lançamentos. É, aliás, penoso comentar os filmes que vão saindo, e o sujeito que faz isso profissionalmente é obrigado a ver tanta porcaria que acaba ficando com ódio da arte - que, aliás, convenhamos, é hoje arrasada por tanta indústria, tanta franquia, tanto filme francamente horrível, tanta coisa bobinha feita para o público infanto-juvenil ou pouco mais, que isso é compreensível.
Eu pouco vou ao cinema, só quando isso se justifica. Vejo filmes é em casa, porque os DVDs me oferecem opções infinitamente melhores, principalmente de uns anos para cá, quando clássicos fundamentais vêm saindo. E, se você quer qualidade, faça isso - ignore a última franquia de bichinhos digitais e pare nalguma locadora e pegue "A marca da maldade", de Orson Welles, em preto-e-branco glorioso. Na pior das hipóteses, mesmo que não goste, fará um gesto cultural muito mais significativo.
Nos livros é que a boa crítica de cinema fez morada. Começo por recomendar um livro que releio sempre, que está em minha cabeceira - "1001 noites no cinema", de Pauline Kael. Abre-se uma página qualquer e um comentário de Kael pode ter a qualidade preciosa de uma observação literária arguta. Ela sabe escrever, quer dizer: sabe dizer o que sente de modo a interessar o leitor. Ela pode ser - e é - insuportavelmente pessoal, mesmo chata, em suas análises de alguns filmes (o que diz sobre a obra-prima "Rastros de ódio", de Ford, por exemplo, é estúpido), mas escreve de modo sedutor, e desperta vontade de discutir, de rever os filmes, para entender o que foi dito e eventualmente discordar dela. É o melhor modelo de crítico de cinema: o instigante.
Quando "1001 noites no cinema" saiu no Brasil, Kael já não militava mais na crítica de cinema americana. Sérgio Augusto escreveu no prefácio, em outubro de 1994: "A uma recente edição especial da "New Yorker" dedicada ao cinema, ela admitiu que suas críticas pertencem a uma época sepultada pela era do vídeo, quando os profissionais do ramo eram obrigados a confiar quase exclusivamente em na memória. Naquele tempo, os críticos tinham mais personalidade, eram mais audaciosos e não meros guias de consumo como os de hoje."... "...faz tempo que a crítica de cinema passou a trabalhar no vácuo, a reboque de press releases". Ela sabia das coisas.
Kael se aposentou em meados dos anos 80, em parte por problemas de saúde (mal de Parkinson), em parte por sua desilusão com o cinema, "cujo empobrecimento estético e mental parece não ter fim." Queria tempo para ler romances e fazer outras coisas.
Se ela achou que em meados dos anos 80, quando ainda podia se ver filmes como "Veludo azul" ou "A rosa púrpura do Cairo" saindo do forno, o cinema já estava acabado, que diria do que vai hoje em dia pelas telas?
Atualmente, vou muito ao site de Roger Ebert e às vezes ao site de Emmanuel Levy, que são os que mais me atraem na Internet norte-americana. Posso ler crítica de cinema no original, o que é uma vantagem, e Ebert é muito profissional, comenta de tudo, com cotações que me parecem sensatas. No entanto, sinto que ele é complacente de um modo que Kael não o foi. Profissionalmente obrigado a ver muitos filmes, parece ter feito um ajustamento à realidade do cinema atual, entulhada de mediocridades e só de vez em quando oferecendo uns lampejos de arte respeitável. Mas ele se refere constantemente ao grande cinema do passado, e sabe o que está dizendo.
Ebert já tem livros editados no Brasil, e destaco "A magia do cinema", que chama a atenção dos interessados pelo fato de reunir o que seriam os 100 maiores filmes de todos os tempos. As escolhas dele são pertinentes, mas os adeptos do cinema brasileiro ou defensores de um cinema de Terceiro Mundo podem ficar irritados: não há nada de latino-americano na lista, nem brasileiro nem argentino nem mexicano nem nada. Cinema, para Ebert, se faz é nos EUA, na Europa e no Oriente.
Para os que procuram livros de críticos brasileiros, recomendo "Um filme por dia", coletânea de artigos de Antonio Moniz Vianna organizada por Ruy Castro, para a Cia. das Letras. Crítico das antigas, do Correio da Manhã, Vianna já é histórico, como Kael, mas continuo achando que vale mais ler o que se escreveu sobre "Depois do vendaval", de Ford, quando o filme saiu, nos anos 50, que se ler o que se escreve hoje em dia sobre a última cretinice de Adam Sandler ou coisas do gênero.
É aos anacronismos que precisamos nos agarrar. Não se chama saudosismo: chama-se sensatez, respeito à arte verdadeira. Ou se faz isso ou a mediocridade nos varre ou engole. Ou nos nivela por baixo, fazendo-nos ser nada mais que um gutural comedor de pipoca entre tantos outros botocudos que ululam com os filmes de sucesso.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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