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A vitrine de Paola
por Airo Zamoner
*
publicado em 13/12/2006.
Seguia resoluta seu caminho. Nada a distraía, ou mudava seu destino.
Batia o salto embrutecido no mármore a exuberar brilhos de luzes nas vielas do consumo.
Exalava pelos poros desinteresse absoluto. Nenhuma cor, luz, flores, beleza, despertava seu espírito. Nada interferia no rumo certeiro em direção, quem sabe ao escritório, ao cliente, ao trabalho insano, importante, inadiável.
A cada espiada rápida no relógio, acelerava ainda mais o ritmo das passadas rudes.
Como evitar perguntas sem respostas?
Que segredos se acotovelavam naquela pasta?
Que pensamentos esvoaçavam por trás daqueles cabelos femininos, disfarçando sensualidade, ou criancice?
Certamente, pensamentos de chegar ao destino com brevidade. Necessidade de entregar-se aos papéis, aos problemas, ao trabalho involuntário.
E qual a razão daquele olhar disfarçadamente duro?
Camuflava para si mesma a ternura feminina, a criança entorpecida, tentando explodir a todo instante. Empacotava com frieza a adulta que, prematura, assumiu o mundo antes da hora.
Inesperadamente, ela pára. Congela-se por uns instantes, corpo estático, militarmente perfilado. Ereta. Os olhos secos. A pasta, balançando em sua mão apertada, suada, esgotava aos poucos a inércia da marcha.
Sem mover o pescoço, sem tirar o olhar de um infinito falso no horizonte finito do ambiente, ergueu o braço, retirou os óculos comportados. Virou-se. A passos suaves, doces, foi até a vitrine. O olhar se enterneceu. Os dedos se afrouxaram. A pasta se foi para o chão com seus segredos.
As mãos delicadas, os dedos finos e longos esqueceram protocolos inúteis e se apoiaram no vidro cristalino. O rosto se colou à vitrine. Lá dentro, as cores, os sorrisos imensos, os olhares a seduzir a tarde, respondiam convites ocultos.
Balançava-se de um lado para o outro. As mãos impunes manchavam o vidro com digitais mal comportadas. Paola, infantilizada, percorria as carinhas pintadas, os vestidos rendados, as perninhas de pano, as cores tentadoras e os sorrisinhos sedutores.
Quis subir no degrau para alcançar outras vistas. O sapato incômodo voou para longe. Descalça, agarrou-se onde pôde. Seu corpo pressionou a vitrine. O vidro se rompeu e Paola mergulhou no mar de bonecas. Brincou a tarde inteira, a vida inteira.
Sobre o Autor
Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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