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A garça e o segredo das dunas

por Urda Alice Klueger *
publicado em 28/09/2006.

Hoje a garça era maior, muito maior. Fiquei a espiá-la de longe com medo que se assustasse e voasse, e eu a perdesse. Vê-la era como tê-la; há quem irá concordar comigo. Ela estava pousada na beiradinha da água da grande goela da lagoa imensa, numa língua de vegetação escura que acabara nascendo na umidade de antes das dunas. Cortei caminho, subi numa duna, para não perdê-la, e de longe fiquei a avaliá-la: apesar de toda a sua alva delicadeza, era uma garça de respeito, capaz de engolir uma tainha inteirinha, acho. Estava fascinada por ela – queria poder chegar perto, acariciá-la, apertá-la ao peito como a um bichinho de pelúcia feito de arminho – mas sabe como é, o amor pode sufocar, e às vezes a gente tem que amar de bem longe para não correr muitos riscos – embora correr riscos seja coisa implícita do amor.

Como recomenda um amor incondicional, havia que deixá-la para que ela pudesse viver a sua Liberdade e a sua Plenitude. Então segui pela beiradinha das dunas até muito longe, muito longe, já lá nas dunas do outro município, e o céu e o mar eram da mesma cor azul-chumbo do antes do anoitecer , e chegou um momento em que só havia ainda céu e a brancura das dunas, e pensei que era melhor voltar.

Já não contornava as dunas, na volta – fazia um novo caminho que era como um caminho novo, onde não havia nenhum vestígio de outros pés, subindo e descendo pela areia branca, embora me mantivesse bem consciente do lado em que estava a lagoa e do lado em que estava o farol. Aquela imensidão de areia fina e branca me fazia lembrar um certo aviador que um dia sofreu uma pane e teve que ficar num deserto onde acabou por encontrar um menino que era o príncipe de um asteróide, e que falaria coisas tão lindas, tão lindas, e que o aviador registrou num livro que hoje pode ser lido até em quíchua ou aimara. “Cativa-me”- o menino contara ao aviador sobre como acontecera seu amor por uma raposa. “Cativa-me”.

E então, por causa da areia branca e daquele menino, eu me lembrei como foi que o meu amor me cativou, numa noite de emoção pura onde muita outra gente deve ter sido cativada! Aquela noite foi como uma bênção tão grande que decerto muitas décadas irão se passar até que se saiba toda a extensão da sua magia. E então, porque o meu amor um dia me cativou, naquela areia branca eu me sentia como se estivesse no Saara, eu, que de deserto só conheço o colorido Atacama.

Era quase tão intensa assim a magia de hoje. A grande garça nada precisava fazer além de existir, para me cativar completamente, para me fazer mudar de caminho em respeito à integridade da sua Liberdade, e por causa dela eu subi as dunas e descobri um mundo novo, o mundo de um deserto que só conhecia por fotografia e desenhos, e era como se ela tivesse feito com que eu encontrasse de novo o menino-príncipe, e era como se o menino-príncipe estivesse a dizer: “Cativa-me” – e era como se ele fosse o próprio Príncipe-meu-amor!

Então, em paz com a minh´alma, já a noite se fazendo quase total, continuei pelas dunas descobrindo que dentro da alvura delas havia mil segredos escondidos: não os via, mas podia ouvi-los. Eram desde pios finos como notas produzidas por um violino até vozes rascantes como as de um ancião que está a cuspir todas as suas amarguras – as menores sombras nos vãos entre as dunas altas regurgitavam de vida alada que ali se protegia para a noite! Muito quieta, então, fui andando pelas corcovas altas da areia branca, atenta ao menor pio, à menor nota musical que subisse e flutuasse no ar, descobrindo, assim, que para salvar a Liberdade de quem me cativara, acabara descobrindo um tesouro inigualável!

Ah! Grande Garça da goela da lagoa, não pude te apertar ao peito como um bichinho de arminho, mas como enriqueceste a minha vida! São coisas do Amor Incondicional.

Sobre o Autor

Urda Alice Klueger: Escritora catarinense de Blumenau, onde vive e trabalha. Publicou inúmeros livros, entre eles "Entre condores e lhamas" e "Crônicas de Natal"

http://geocities.yahoo.com.br/prosapoesiaecia/urdaautores.htm




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