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Yara Camillo: Hiatos preenchidos e outros mistérios

por Chico Lopes *
publicado em 24/08/2006.

Certas pessoas são os mais vastos e queridos mistérios da vida da gente. E a grande verdade é que, encantadoras, não nos garantem suas presenças de jeito nenhum: aparecem, somem, significam alguma coisa com intensidade num dado momento e, em outro (fique claro que este outro pode implicar anos, décadas), não estarão mais lá. Mas, tendo significado de fato alguma coisa, difícil que a gente as esqueça. Ou talvez, de um ponto de vista consciente não nos ocorram mais, mas alguns movimentos sub-reptícios do que pode ser chamado de Destino podem estar nos armando surpresas, podem trazê-las de volta - nunca como pensávamos, mas como ele, Destino, queria, lá a seu modo insondável.

Isso me aconteceu, e faz pouquinho tempo, com Yara Camillo. Lendo no site "Desconcertos" que em São Paulo se lançaria uma antologia de contistas novos chamada "Doze", entre os nomes do elenco de escritores, encontrei o dela. Pensei: não será Yara Camillo, que nos anos 70 e depois nos 80, tudo em rápidas passagens, conheci lá em Novo Horizonte? Houve essa Yara, e não bastasse o nome, era de fato uma figurinha mágica, coisa de rio, mas também de terra firme, naqueles anos.

Atriz e contista de São Paulo-capital, namorava um amigo, o cantor e compositor Édson Biller, e com ele fora viver em Trancoso, na Bahia. Formavam um casal que não podia passar despercebido, ele muito alto, louro, cabelão ao vento, ela pequenina. Novorizontino como eu, Édson era mais trânsfuga - vivia em muitas partes e aparecia na cidade natal só de vez em quando, mas com Yara ao lado.

Numa dessas vezes, conversando, disse a ela que achava - heresia da brava - que o "Ulisses", de Joyce, era um livro chato, intransponível. E, passando de opinião a ato, decidi presenteá-la com um exemplar que tinha, aquele, lido por todo mundo, traduzido por Antonio Houaiss. Fiz uma dedicatória de gosto duvidoso: "Para Yara, para que se dê leite nas trevas..." Ela gostou. E numa outra vez dei-lhe um desenho meu, a esferográfica vermelha, chamado "Sumidouro". E ainda numa outra vez ela leu para mim e para Édson um conto que escrevera, "Para sempre", em que nos citava os dois.

Yara tinha uma característica notável: um sorriso enorme e uns olhos vivíssimos, que sorriam, riam, escancarados, curiosos, irônicos, formando um rosto a um só tempo de criança esperta e de mulher sutil. Aquela boca e aqueles olhos, coisas de se guardar...

Pois, ponha-se décadas nisso...Neste agosto de 2006, encontro o nome dela na tal antologia que saiu em São Paulo e peço ao organizador do "Desconcertos", Claudinei Vieira, que me diga se aquela é mesmo a Yara que conheceu um Chico Lopes assim-assado em Novo Horizonte, SP, em anos tão remotos quanto loucos e encantados.

Era. E o mais espantoso ainda era que, naquelas semanas, ela me lera no site "Cronópios" e perguntara por lá se eu era o Chico de Novo Horizonte. Procurava-me enquanto eu a procurava. Se esse reencontro não pode ser chamado de predestinado, de que mais o chamaremos?

Gatos, anjos, Santana, o Infinito

Nosso reencontro só não foi celebrado com bebida porque, por e-mail, não dava pra tanto. Eu era mais conhecido como pintor e desenhista, naqueles anos, e Yara já era contista, o que eu queria, mas não me atrevia a ser. E ela não sabia que eu já tinha publicado dois livros, e eu não sabia que ela tinha publicado o seu livro de contos, e assim por diante...As efusões que acontecem, quando duas pessoas se reencontram em circunstâncias assim (e a Internet, hoje em dia, as propicia bastante), são deliciosas: há tanta coisa para contar que os e-mails ficam quilométricos, ansiosos, insaciáveis...

Pedi a Yara seu livro. Ela me mandou, devolvendo-me uma cópia em papel fotográfico do "Sumidouro", que guardara com cuidado. Mas é do livro que vou falar, naturalmente.

"Hiatos", o que traz na capa, do desenhista Wilson Neves? Dois gatos amarelos, espectrais, elegantíssimos, atravessando o que parece uma paisagem de areia, de duna de deserto, ou de cetim em terra de Siena, com suas dobras...Pois, era assim: a memória de Yara, para mim, vinha acompanhada de uma conversa que devemos ter tido, numa daquelas noites de Novo Horizonte, sobre gatos e sobre Cortázar, que gostava deles.

Publicado em 2004, 134 páginas é edição da RG Editores, muito cuidada, com ilustrações de Wilson Neves que parecem comentários irônicos a alguns contos ou apenas complementos levemente aleatórios, sugerindo outras tantas coisas...O prefácio é de Caio Porfírio Carneiro. A coletânea é formada por doze contos.

Essa Yara, de cujo conto "Para sempre" eu só me lembrava como vagueza decididamente fantasmática, virou uma senhora contista. Tem mesmo um dom encantatório, que os leitores precisam descobrir. É meio quase-cronista em "Janela para o jardim", em que se fala simplesmente de chuva, de gatos, de um anoitecer no bairro de Santana, São Paulo, em que se procura a epifania, em que se convoca e provoca um encantamento - e o leitor o sentirá, aderindo. Não admira que escreva poesia também. A sua prosa não o nega.

Encontro a malícia, o humor de Yara em "Copydesk", que ganhou primeiro lugar num Concurso de Contos de São Bernardo do Campo, S.Paulo, em 1987. Um sujeito cuja profissão é traduzir e copidescar precisa modificar um livro horrível, subliteratura de bancas, que um editor lhe empurra. Trata-se de dinheiro, e ele, refinado, dado a Cortázar, tem que conviver com essa dura ironia perversa do mercado editorial: os contos que escreve, quem lerá?, mas essas encomendas, ração espiritual aviltada para legiões de almas ansiosas por escapismo barato, encontrarão leitores copiosos pelas bancas afora. O conto é muito revelador e saboroso, um dos pontos altos do livro.

Em "História em quadrinhos", Yara prova ter um toque de veludo, aliado à ironia, para contar de um amor lésbico e de uma mãe que bem queria que ele não existisse. Em "Noite de gala", com que sutileza se urde o nascer de um desejo, de uma vida, numa trama em que o religioso, o erótico e a iminência da morte de uma avó se entrecruzam. É também muito bom o conto "Anjo", em que uma atriz conta a um amigo o que foi sua vida de palco - ela se acha medíocre - até uma certa noite dramática e redentora.

Mas, para mim, o melhor dos contos é "Abraço no espelho", que é melhor nem contar o que é, mas envolve uma moradora solitária da Vila Madalena e o seu gato, e uma caixa d´água. Uma prova substancial do talento de contista de Yara: ela transfigura um acontecimento terrível com tal beleza que nos lembramos da lição básica que se aprende em alguém como, vamos dizer, Tchecov. Que não há assunto pequeno, para quem escreve bem e para quem sabe olhar com gume sensível o espetáculo do mundo.

Olhos vivíssimos, ninguém negará que Yara os têm. Mas tem escrita identicamente viva, e capaz de uns prodígios de sutileza que nos fazem pensar. E vamos ter mais disso daqui a algum tempo, quando ela lançará seu segundo livro de contos, "Volições", pela editora Massao Ohno.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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