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RESENHAS

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A prosa visceral de Cazarré

Ronaldo Cagiano*

Tendo como cenário a região Sul do Brasil, os doze contos de “Ilhados”, de Lourenço Cazarré (ganhador do 9º Prêmio Açorianos de Literatura), tematizam a angústia humana, a decadência e a miséria individual e coletiva, utilizando-se de personagens que vivem o tédio, o perigo das descobertas sexuais, a alienação quotidiana, a incitação ao crime e outros dramas da vida moderna.

Gaúcho de Pelotas, radicado em Brasília desde 1977, Lourenço Cazarré é um autor de vasta e premiada bibliografia (duas vezes vencedor da Bienal Nestlè e um Prêmio Jabuti em 1998, dentre outros), publicou mais de 30 títulos, a maioria deles tendo o universo juvenil como ambiente de sua ficção. Sem fazer concessões a modismos, o autor opta por uma narrativa linear, no entanto, sem a ortodoxia canônica nem a sisudez do literária e politicamente correto.

Nesses contos, descortina-se um cenário social com seus tipos, situações, criaturas e traumas interiores: é a vida humana multiplicando seus dramas e contingências, realçada no desalento de certos personagens corroídos pelos choques e sustos provocados por um mundo em permanente desassossego a nos tangenciar com seus infernos e suas vendetas.

Sexo, prostituição, desilusão, perdas, remorsos e assassinatos são situações encontradiças nesses contos de Cazarré, sem que tais questões sejam tratadas com escrachos verborrágicos, ou num fluxo caudaloso e hemorrágico de expressões chulas, algo muito característico numa certa literatura que viceja por aí com ares de modernidade e transgressão.

Em textos pungentes – como em “Véspera de aula”, que trata da iniciação de um garoto de colégio; “Ilhados”, relatando o estupro de uma adolescente por um padre; em “Animais do banhado”, sobre o assassinato de um cafetão por uma prostituta; ou, ainda, o linchamento de um louco em “No incêndio da tarde”; a vida solitária de um alcoólatra, em “O ano do galo” e o suicídio, tema universal e filosófico, em “Sinal de luz” – Cazarré vai traçando o perfil de uma sociedade ensimesmada, acuada e balda de princípios, que perdeu o afeto e a fé no futuro e reage às suas contingências e aos seus fantasmas de forma violenta e não casual.

A raiz do sofrimento ancestral do homem, potencializado pelas emergências e competições de um mundo castrador e burocrático, são pano de fundo desse livro permeado de surpresas e domínio estilístico e que, ao final, metaforizam as grandes dúvidas humanas. Na verdade, todos os protagonistas deságuam num personagem maior: a solidão, instituição cruel e inamovível, fenômeno de avassaladores conseqüências sociais e psicológicas compondo um tempo de contrastes e profundas injustiças, que vão arruinando nossas bases humanas. Os contos de “Ilhados” são construídos com certo rigor formal, na linha machadiana, mas resgatando a riqueza e a poesia, que mesmo nas situações mais bizarras ou desconcertantes é possível encontrar. Cazarré não só cutuca as feridas e as perturbações existenciais, como abre possibilidade de reflexão sobre a densa e tensa realidade que nos cerca.

Um conto de Lourenço Cazarré
Não deixe de ler.

O que se encontra no coração dos homens permanece um mistério para mim. Desde aquela época, tenho observado vários tipos de pessoas - escroques, falsários, gente que matou ou morreu por dinheiro - e todos eles parecem pessoas normais; fico confuso. Relato Autobiográfico. Akira Kurosawa




Sobre o Autor

Ronaldo Cagiano: De Cataguases, cidade mineira berço de tradições culturais e importantes movimentos estéticos, surgiu Ronaldo Cagiano. É funcionário da CAIXA. Colabora em diversos jornais do Brasil e exterior, publicando artigos, ensaios, crítica literária, poesia e contos, tendo sido premiado em alguns certames literários. Participa de diversas antologias nacionais e estrangeiras. Publica resenhas no Jornal da Tarde (SP), Hoje em Dia (BH), Jornal de Brasília e Correio Braziliense, dentre outros. Tem poemas publicados na revista CULT e em outros suplementos. Obteve 1º lugar no concurso "Bolsa Brasília de Produção Literária 2001" com o livro de contos "Dezembro indigesto”.

Organizou também várias antologias, entre elas: Poetas Mineiros em Brasília e Antologia do Conto Brasiliense.

 

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