Crônicas,contos e outros textos

PÁGINA PRINCIPAL LISTA DE TEXTOS Adelto Gonçalves


COMPARTILHAR FAVORITOS ver profile do autor fazer comentário Recomende para um amigo Assinar RSS salvar item em delicious relacionar no technorati participe de nossa comunidade no orkut galeria relacionar link VerdesTrigos no YouTube fazer uma busca no VerdesTrigos Imprimir

São Miguel das Missões Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural

VerdesTrigos está hospedado no Rede2

Leia mais

 




 

Link para VerdesTrigos

Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.

Anuncie no VerdesTrigos

Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui

Eça de Queiroz e ‘As Farpas’

por Adelto Gonçalves *
publicado em 23/04/2006.

“A classe eclesiástica não significa a realização de uma crença; é ainda uma multidão de desocupados que querem viver à custa do Estado. A vida militar não é uma carreira, como se compreendia outrora, é uma ociosidade organizada por conta do Estado. Os proprietários procuram viver à custa do Estado vindo ser deputados a 2$500 réis por dia. A própria indústria faz-se protecionar pelo Estado e trabalha sobretudo em vista do Estado. A imprensa até certo ponto vive também do Estado. A ciência depende do Estado. O Estado é a esperança das famílias pobres, e das casas arruinadas; é a ocupação natural das mediocridades; é o usufruto da burguesia. Ora como o Estado, pobre, paga tão pobremente que ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a indústria ou para o comércio, esta situação perpetua-se de pais a filhos como uma fatalidade”.

Não fosse por uma referência aos réis, moeda já extinta em Portugal e no Brasil, ninguém diria que estas palavras foram escritas em 1871, tal a sua atualidade tanto lá como cá. São de Eça de Queiroz (1845-1900) e podem ser lidas em As Farpas — crônica mensal da política, das letras e dos costumes, de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, livro editado sob coordenação geral de Maria Filomena Mônica (Cascais, Principia, 2004).

No Brasil dos últimos dias, o Estado continua a ser a salvação de desocupados, que, atrelados a um partido político que em seu título dizia representar os trabalhadores, agarram-se às tetas públicas para perpetrar falcatruas sem conta. Como eram aventureiros, nem foi preciso à oposição mover alguma palha para denunciá-los. Aves de rapina, brigaram entre si pelo butim e denunciaram uns aos outros pelos motivos mais reles. Como tinham a sanha de dilapidar o patrimônio público, interromperam os processos de privatização que, se outros méritos não tinham, pelo menos permitiam que a corrupção, praga inevitável, ocorresse de uma só vez, ou seja, no momento em que a empresa pública passasse às mãos de um algum grupo privado.

Mas não nos alegremos muito se, nas próximas eleições, essa gente for defenestrada porque outros virão, disfarçados por palavras pomposas e atrás de outros partidos políticos. O Estado sempre será a mãe dessa gente vil. Aos bem situados, continuará favorecendo a construção de fortunas sob a sua sombra protetora, aos desvalidos poderá representar uma esmola na forma da chamada Bolsa-Família e aos medíocres um emprego vitalício e uma aposentadoria gorda ao final da vida. Sem contar que para muitos representa também a oportunidade do exercício do nepotismo, com a nomeação de mulher, filhos, sobrinhos e amigos do peito. Tudo passa de pais para filhos como uma fatalidade, tal como dizia Eça de Queiroz.

Ler o “pobre homem da Povoa de Varzim”, neste dias, pode constituir tarefa pouco alentadora, pois, 135 anos depois, constata-se que nada mudou. Quem duvidar que enfrente este cartapácio de 639 páginas que reúne o texto integral de As Farpas produzido no período em que Eça nele colaborou, ou seja, tal como os seus leitores contemporâneos o leram.

Quando saíram à luz, eram opúsculos de capa alaranjada que começaram a aparecer nas bancas de Lisboa a 17 de junho de 1871 e tiveram a colaboração de Eça de Queiroz pelo menos até o número de setembro-outubro de 1872, quando o escritor partiu, como cônsul, para as Antilhas espanholas. A de Ramalho Ortigão, como observa Maria Filomena Mônica na introdução, estender-se-ia ao longo de 11 anos.

Quem fizer as contas vai descobrir que Eça de Queiroz era a esse tempo um jovem de 26 anos que ainda não deixava entrever que seria o maior romancista da Língua Portuguesa do século XIX, ao lado do brasileiro Machado de Assis (1839-1908). O nome mais forte da publicação era o de Ramalho Ortigão (1836-1915), a essa altura com 35 anos, que fora professor de francês de Eça no Colégio da Lapa, no Porto, dirigido por seu pai. A publicação que lançavam em Lisboa saía à altura do 33º governo constitucional presidido por Ávila, num momento de crise em que a Guerra do Paraguai (1864-1870) interrompera as remessas dos emigrantes que viviam no Brasil, fonte essencial para a economia de Portugal à época.

Em tempos de crise econômica, todos gritam e ninguém tem razão. Por isso, os governos se sucediam a um ritmo intenso. Só em março de 1871, Fontes Pereira de Melo viria a assumir o poder para dar alguma estabilidade ao país. Portanto, o jovem Eça de Queiroz também vivia uma situação difícil, agarrando-se a empregos precários, de olho também na segurança que oferece um emprego público, ainda que visse no Estado a ocupação natural das mediocridades.

Como diz Maria Filomena Mônica, foi o desemprego que levou Eça até As Farpas, do amigo Ramalho Ortigão, enquanto movimentava-se em busca de uma oportunidade para começar uma carreira no estrangeiro como diplomata. Queria sair de Portugal, sim, mas com segurança. Nada de aventurar-se como emigrante. Em julho de 1870, ao tempo do duque de Saldanha no poder e de um amigo de seu pai, Dias Ferreira, no Ministério do Reino, conseguiu ser nomeado administrador do concelho de Leiria. Era uma “boquinha” magra e que ainda tinha o inconveniente de que ficava um tanto longe de Lisboa, pelo menos naquela época de transportes e estradas precárias.

Não ficou lá três meses e logo retornou a Lisboa, a pretexto de preparar-se para um concurso no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Fez as provas para cônsul e saiu-se em primeiro lugar. Mas não levou a vaga para Salvador, na Bahia, perdendo-a para alguém que dispunha de maiores trunfos políticos. Teve de voltar a Leiria para retornar a Lisboa em maio de 1871. Foi por esse tempo que, a convite de Ramalho Ortigão, começou a escrever para As Farpas.

Os textos dessa época refletem a desilusão do jovem escritor com os homens e com Portugal, ainda mais porque a esse tempo descobrira que na preterição que sofrera no Ministério dos Negócios Estrangeiros também contribuíra a idéia de que seria um homem de idéias revolucionárias, um incendiário. Num desses textos de As Farpas, ele rebate: “Não, eu não sou esse homem. Não o sou, porque não tenho paciência para ser agitador; porque não tenho tempo; porque nos clubes há falta de ar; porque detesto clubes, essa bastardia grotesca da decadência parlamentar (...)”.

De fato, satírico, irônico, polemista e moralista, Eça de Queiroz estava longe de ser revolucionário. Nem para a carreira política tinha talento — ou melhor, estômago. Se tinha inimigos pela frente, esses eram os políticos, aos quais vergastou com sua pena brilhante. Por isso, se por acaso o incauto leitor faz parte dessa cáfila que infesta as repúblicas daqui e d´além mar, passe longe deste livro. Se o ler, não vai passar sem chumbo no lombo.
__________________________
A FARPAS: CRÕNICA MENSAL DA POLÍTICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES, de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, coordenação de Maria Filomena Mônica. São João do Estoril, Cascais, Principia Publicações Universitárias e Científicas, 639 pp., 2004. E-mail: principia@principia.pt


Sobre o Autor

Adelto Gonçalves: *Doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).


E-mail: adelto@unisanta.br

< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>

LEIA MAIS


Herzog: em defesa da desrazão pura, por Chico Lopes.

Eu sei quem matou Isabella, por Rodrigo Capella.

Últimos post´s no Blog Verdes Trigos


Busca no VerdesTrigos