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Sobre o Romance

por Dante Gatto *
publicado em 04/03/2006.

Segundo Lukács, que se reporta a Hegel, essa forma só adquirirá um caráter típico na sociedade burguesa. O filósofo de Berlim constrói a sua teoria do romance baseado na contraposição entre o caráter poético do mundo antigo e o caráter prosaico da civilização burguesa. O prosaísmo da moderna época burguesa é fruto, segundo ele, do inevitável desaparecimento tanto da atividade espontânea quanto da ligação imediata do indivíduo com a sociedade. Embora considere impossível eliminar esta contradição entre poesia e civilização, Hegel pensa que seja possível atenuá-la: o romance como epopéia burguesa deve conciliar as exigências da poesia com os direitos do prosaísmo e achar uma média entre eles. Isto, na linha do pensamento bakhtiniano, é resultado do plurinlingüismo próprio desta forma literária.

A dialogicidade interna do discurso romanesco exige a revelação do contexto social concreto, o qual determina toda a sua estrutura estilística, sua "forma e seu "conteúdo", sendo que os determina não a partir de fora, mas de dentro; pois o dialogo social ressoa no seu próprio discurso, em todos os seus elementos, sejam eles de "conteúdo" ou de "forma".

O prosador-romancista introduz em sua obra as intenções alheias da língua, feita de diferentes linguagens, não destruindo as perspectivas sócio-ideológicas. Isto implica a utilização de discursos já povoados pelas intenções sociais de outrem, que agora servem ao autor. Por conseguinte, as intenções do prosador refratam-se e o fazem sob diversos ângulos, segundo o caráter sócio-ideológico de outrem, segundo o reforçamento e a objetividade das linguagens que refratam o plurilingüismo.

O processo é outro com o poeta. O lirismo permite um trabalho de expurgação de todos os momentos, intenções e acentos alheios da linguagem em nome de um forte unidade. No caso do épico, argumenta Bakhtin: "Esta unidade pode ser ingênua e existir somente nas épocas mais raras da poesia, quando ela não saía além dos limites de um grupo social ingenuamente fechado sobre si mesmo e ainda não diferenciado, cuja ideologia e linguagem ainda não havia se estratificado efetivamente." O mundo clássico permitia a realização de formas épicas como a epopéia que possuía uma perspectiva única e exclusiva, na qual o herói agia em sua perspectiva particular, apesar da tensão permanecer imanente. Ora, "habitualmente sentimos esta tensão profunda e consciente através da qual a linguagem poética única da obra literária se eleva do caos das diferentes falas e línguas, caos este da linguagem literária viva que lhe é contemporânea".

Lukács, ainda, encara o romance como sendo o lugar de confronto entre o herói problemático e o mundo do conformismo e das convenções. O herói problemático está ao mesmo tempo em comunhão e em oposição ao mundo, encarnando num gênero literário, o romance. A forma interior do romance não é senão o percurso desse ser que, a partir da submissão à realidade despida de significação, chega à clara consciência de si mesmo. Isto implica dizer que, em maior ou menor grau, o romance absorve e reproduz o espírito da tragédia. Seria melhor dizer, por fim, que essa clara consciência de si mesmo é um ponto essencial que aproxima todas as formas de arte, ficando a diferença numa questão de nível.

Ainda, Bakhtin considera a natureza acanônica do romance. "Trata-se da sua plasticidade, um gênero que eternamente se procura, se analisa e que reconsidera todas as suas formas adquiridas. Tal coisa só é possível ao gênero que é construído numa zona de contato direto com o presente em devir." A crescente reificação capitalista, a padronização do modo de vida e o nivelamento do indivíduo (ainda Lukács ), geram, no âmbito do romance realista, as formas mais variadas de expressão do "protesto subjetivo". Completa Aguiar e Silva, tal gênero "não cessa … de revestir novas formas e de exprimir novos conteúdos, numa singular manifestação da perene inquietude estética e espiritual do homem".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

LUKÁCS, G. O romance como epopéia burguesa. In: LUKÁCS,G., BACHTIN M. et al. Problemi di teoria del romanzo; metodologia letteraria e dialéttica storica. Trad. Letizia Zini Antunes. Torino: Einaudi, 1976. p.131-178. (Mimeogr.).
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. São Paulo: Unesp-Hucitec, 1988.
LUKÁCS, G. Ensaios sobre Literatura. Trad. Leandro Konder. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
AGUIAR e SILVA, V. M. Teoria da literatura. 8. ed. Coimbra: Almedina, 1997.

Sobre o Autor

Dante Gatto: Professor de Teoria da Literatura da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), campus de Tangará da Serra (MT), e doutorando da UNESP de Assis, na área de Letras (Teoria literária e literatura comparada).

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