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Bienais do Horror e outros horrores do Brasil incultural: algumas palavras para Rosely Sayão

por Chico Lopes *
publicado em 24/03/2006.

Leio no "Verdes Trigos" de hoje o trecho do blog de Rosely Sayão em que ela comenta o horror que foi ver jovens de uma escola se atropelando e quase derrubando divisórias entre os "stands" da Bienal do Livro de São Paulo, evento a que, prudentemente, sempre me recuso a ir, porque, com a mentalidade de "shopping-center pra fazer de conta que o Brasil lê e compra livro" que sei que impera nessas coisas, não poderia senão constatar pela milionésima vez como tudo nesse país, incluindo a Cultura, vira circo dos horrores. Mas, o espanto de Sayão e seus conselhos sensatos aos pais e aos "tutores espirituais" que lotam ônibus - com mentalidade de ir a Play-Center - para festejar essas coisas, me fez pensar em muitos horrores inculturais que este país não pára de produzir, com a conivência de uma massa que não poderia ser mais estúpida, manobrada e avacalhada.

Dona Rosely que me perdoe, pois noto que é bem-intencionada, mas há, decididamente, mesmo entre os chamados intelectuais mais refinados - ou intelectuais, ou integrantes de grupos culturais - gente que está se acomodando terrivelmente a uma mentalidade porca que reina no universo do livro, e isso em esferas mais elevadas, onde se supunha que deveria haver mais refinamento. A barbárie de massa dessas Bienais, que misturam boas intenções a intenções meramente cosméticas, turísticas, de entretenimento cultural massificador, reflete a barbárie de empresários do mundo cultural que pouco se importam com qualidade, querem é faturar, querem é aparecer nas tevês com uma imagem que os dispense de pensar mais seriamente nas coisas, de seriamente fazê-las. Pensam em vendas, pensam em "eventos". Cultura como coisa que dispensa fanfarras, carros de som, gritarias, tevês filmando, séria, tranqüila, como um mergulho sereno e democrático nas muitas faces possíveis do mundo e da verdade, essa gente ignora solenemente. O que vale é um certo verniz cultural, que autoriza e legitima a perpétua exploração de coisas mal cuidadas e dirigidas a um público que pouco importa se é culto - importa mesmo é como consumidor.

Passo, no trajeto diário de ônibus pro meu trabalho, por um outdoor bonito de uma empresa de perfumes que simpaticamente decidiu homenagear Tarsila do Amaral. Um amigo meu me escreveu outro dia que, achando também encantadora essa homenagem, tentou sondar uma vendedora para saber se conhecia Tarsila. Ela não tinha a menor idéia de quem fosse. Mas, se ele perguntasse quem eram aquelas vozes "sertanojentas" do rádio, com certeza, ela saberia. E lhe contaria também quem da casa do Big Brother estava para sair ou ficar, debaixo de lágrimas e espasmos de crocodilo em escala nacional, com os milhões prometidos.

Contei a esse amigo, para corroborar, que uma vez, uma emissora de tevê me convidou para uma homenagem a Charles Chaplin. A reportagem incluiria perguntas a transeuntes nas ruas sobre quem teria sido Chaplin (ou Carlitos, para simplificar) para eles. Resultado: só parte da reportagem foi feita, pois essa, que incluiria as respostas do povo na rua, deu em nada. De uns quinze entrevistados, NENHUM tinha a menor idéia de quem fosse Charles Chaplin, de quem era Carlitos. Constrangimento para uma repórter amiga que, bem intencionada, supunha que todo mundo na rua sabia aquilo que em seu círculo de formação universitária todo mundo supostamente saberia.

Está aí um de nossos equívocos como pessoas "instruídas" de um país primitivo, bárbaro e ignorante: supomos que nossas predileções, nossas leituras, músicas, filmes queridos, sejam, se não compartilhados, ao menos conhecidos, porque os sabemos por vezes integrantes de um panteão onde parece haver unanimidade, panteão esse muito decantado pela indústria cultural, ainda que demagogicamente.

Qual o quê! O mundo que está se formando ao nosso redor é simplesmente alheio ao que gostamos, sabemos e cultuamos. É um mundo em que ninguém sabe mais nada nem quer saber - duas horas diante da televisão e o sujeito se sente mais ou menos abastecido "culturalmente" para o mundo. Não quer conviver com nada que dê trabalho, na tradição brasileira de cultuar o hedonismo mais fácil, mais raso e mais eufórico. Vale o que está ali, imediato, e daí a pouco valerá outra coisa, e outra e outra. Esses em geral jovens não se dão nem ao trabalho de investigar, pesquisar melhor os objetos de sua paixão - teriam muito que aprender com a história do rock, por exemplo, e suas múltiplas ramificações culturais, mas, se você lhes estende um livro sobre o assunto, já saem correndo, te achando um chato de galocha, parecido àquele professor universitário que eles fingem respeitar na classe. O cinema os interessa, mas duvido que saibam que fazem parte de uma geração deliberadamente infantilizada por Spielberg & cia. Lembram-se do filme de anteontem, quando muito. Isso quando a reação não é mais violenta ainda, e inclui palavrões a quem ousou perguntar-lhes algo pertinente.

Para quem escreve, como eu, faz muito tempo - e compartilho esse suplício com um monte de outros escritores, não sou caso isolado -, o terrível é confrontar-nos com editores, seja de grandes, seja de pequenas casas, para quem os gêneros favoritos são o romance, a biografia, a besteira qualquer ditada por uma necessidade de faturamento com uma estrela de televisão da moda, que terá, na pior das hipóteses, divulgação automática e um monte de boçais fazendo fila na noite de autógrafos.

Passei por essa estupidez, recentemente, vendo os originais de um livro meu rejeitados porque o formato é excêntrico, reúne duas novelas. Uma amiga, bem intencionada, pra que o livro chegasse a ser considerado, recomendou que aquilo fosse chamado de "romances curtos". Não, não deu certo: queriam romances mesmo, não querem saber de contos, de formas curtas. Claro que pouco se importam com o fato de haver nas prateleiras das livrarias romances indignos, meras encheções de lingüiça, verborragias que cumprem a praxe mortuária das 180 ou 200 páginas de um livro médio. Esses objetos lustrosos, caros e inertes podem ser a morte da arte do verdadeiro romance, em alguns casos, mas editores estão lá se importando com qualidade artística? Só raramente. Para alguns - pois há casos de verdadeiras antas, comerciantes grosseiros mais que nada, que deveriam estar em fábricas de sabão e salame, não na indústria editorial - nem existe esse gênero literário chamado "novela", tradicionalmente classificado entre o romance e o conto.

Uma vez tive que explicar para um deles, até mais pretensioso e dado a culto, que um conto que eu tinha escrito na primeira pessoa não tratava de minha vida pessoal, nada disso, porque ele tinha acreditado em letra por letra na veracidade documental daquilo. Tratava-se de um expediente manjadíssimo em ficção, e lembrei o romance monumental de Proust escrito todo na primeira pessoa. O nome de Proust pareceu lhe ocorrer muito vagamente. Não sabia, em suma, do que eu estava falando. E ele era todo metido a fino. Verniz e nada mais. Em geral, é assim: citamos gente que admiramos, de Orson Welles a Kafka e Stravinski, e os nomes soam pomposos, impressionam, provocam uns brilhos em olhares e uns suspiros de reconhecimento entre pasmos, mas, se queremos aprofundar uma conversa, vamos topar é com uma ignorância sólida, uma obtusidade arrogante e uma esquivança sintomática.

O que mais conheço são autores novos que, decididamente, são lidos é por outros autores novos, e, todos juntos, se ressentem de não atingir o público, vamos dizer, "civil", dos leitores. Amontoam seus exemplares de livros não vendidos, em geral financiados total ou parcialmente por seus próprios bolsos, em pilhas caseiras, que vão distribuindo pouco a pouco entre amigos e alguns interessados, por cortesia, para não ficarem eternamente embaraçados com o insucesso patente representado por aquela pilha em algum canto de garagem, despensa, o que seja.

O que há de fato, cara Rosely, é que vivemos, no mundo globalizado, debaixo das patas descomunais e insensíveis da indústria cultural, que é liberal sim, que é mais tolerante e aberta que nos passados totalitários que amamos execrar, mas, embora liberal e estimulante, tem decidida antipatia por aquilo que não é frívolo, tônico ou escapista e sabe condenar à invisibilidade todos aqueles autores que estão engajados em tarefas de imaginação artística, estética, mesmo moral, mais ampla e arriscada. Não há lugar para o que não vende. Não se abençoa o que não faz sucesso, ainda que este sucesso possa ser o mais estética e moralmente questionável.

E com isso compactuam muitos intelectuais que simplesmente querem - ou acham necessário, para não morrer no completo ostracismo - aderir às ondas que fazem mais ruído. Vivemos debaixo de uma tirania muito pior, muito mais sutil que aquelas que conhecemos, das censuras totalitárias. Uma tirania eufórica, desmedida e mercadológica que decreta que ou se faz sucesso ou está morto. Naturalmente, a multidão de mortos que não podem - ou não querem, por princípio - entrar em shopping-centers de livros só vem fazendo crescer. E, acredito, haverá um dia necessidade premente de se olhar para toda uma produção cultural que vem se fazendo à margem de tudo, só compreendida mesmo por uns raríssimos bolsões.

Quanto à massa, sabemos o que os oportunistas sempre farão com ela.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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