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Trezentas razões para você NÃO ir ao cinema

por Chico Lopes *
publicado em 04/08/2005.

Sou um profissional da área da crítica de cinema. Escrevo há mais de vinte anos sobre o assunto, e tenho visto filmes (mais de locadoras que de cinemas, disparadamente) nesse tempo todo, acompanhando revistas e jornais, lendo sites informativos sobre estréias, astros, diretores etc – enfim, me atualizando sempre. É uma necessidade da profissão e um prazer. Mas, confesso que tenho pena do público, de vez em quando, especialmente esse para o qual o cinema pode ser um entretenimento encantador e não precisa ser mais que isso.

Me refiro ao sujeito mediano que espera de um filme satisfações para a emoção e a inteligência. Postulo também, teoricamente, um espectador adulto. Não é preciso que ele goste de qualquer filme iraniano ou de qualquer produção européia com ares de “profundeza” para que seja um sujeito respeitável – pode perfeitamente gostar só de filmes americanos comerciais. Não acredito que os chamados “filmes de arte” sejam dignos de louvor automático – por vezes, são chatices implacáveis – e isso não significa que eu defenda o “mainstream”, o comercial bem-sucedido e mais nada. Penso, como minha crítica favorita – e falecida -, Pauline Kael: o cinema é uma arte comercial que pode perfeitamente atingir refinamentos e emotivos e proporcionar reflexão inteligente e, para isso, não precisa ser pomposo, cheio de filosofices, bombástico e “humanista”.

Kael, em desespero com a falta de qualidade do cinema, já no início dos anos 80 debandou da crítica, passou a viver em casa, ignorando os lançamentos, nunca mais dando palpite sobre filme algum. Ela achou que o cinema não tinha mais jeito, já naquele tempo...É de pensar o que diria, hoje em dia, se viva fosse e ainda estivesse na ativa. Dizer que o que rola nos cinemas a deixaria apavorada é dizer pouco.

Só para ilustrar, faço um passeio sobre o que vi ultimamente, em cinemas e locadoras.

BATMAN BEGINS – Fui ver no cinema, ou melhor, levei minha filha de 13 anos para ver, porque, em férias, ela tem esse direito. Devia ter ficado em casa e me contentado com a opinião que tenho sobre filmes adaptados de HQs: não são para mim, em definitivo, passei da idade...Essa é uma faceta tenebrosa do cinema de hoje em dia: ninguém está pensando em gente adulta, o alvo é o adolescente ou a criança, consumidores de baldes gigantescos de pipoca (por vezes, mais caros que o ingresso). Adulto fica deslocado, nessas coisas – faz o papel do provedor, do sujeito que abre a carteira e paga o ingresso e a pipoca; senta-se lá no escuro e daí a pouco está desesperado por cair fora.

Dormi durante esse novo “Batman”, elogiadíssimo, anunciado como a ressurreição da série, que, com o primeiro e o segundo filme, na direção do inteligente Tim Burton, foi pelo menos engraçada. Agora, é só pretensão, e pretensão a mais rasteira: o milionário Bruce Wayne, identidade secreta de Bat-Man, é orientado por um “mestre oriental” que lhe ensina a dar porradas com clichês filosóficos à la “Kung Fu” e pode-se esperar o que virá. Dormi pelo meio. Não agüentei a babaquice, a infantilidade posuda.

Acho, sinceramente, que os gibis podem ser interessantes, oferecerem arte gráfica etc., mas, em essência, super-heróis são nutrição para adolescentes descerebrados, compensações simbólicas de uma superficialidade insustentável, para quem amadurece. O sujeito adulto que queira praticar regressão mental vendo essas coisas, e alegue ter direitos a isso, tudo bem. Mas, com um mínimo de honestidade, não poderá alegar nenhuma outra justificativa. Gosta-se por regressão e nada mais.

Nas locadoras, o panorama não é tão melhor. Os filmes de “lançamento”, os comerciais, estão sempre na frente de todos os outros, com balconistas orientados a passá-los adiante, alegando serem bons, ou apenas novos (como para muita gente, tudo que é novo é automaticamente bom, devem saber com quem estão lidando).

Um dos filmes mais elogiados do Oscar 2005, CLOSE-PERTO DEMAIS, de um diretor que fez coisas boas nos anos 60, Mike Nichols, veio muito recomendado por críticos mais sérios. Fui vê-lo, e o achei estranhamente prejudicado pela afetação do cinema que a crítica parece incensar hoje em dia - filmes com personagens realistas, desesperados, fragmentados, o que provoca aqueles comentários do tipo “é sombrio, é duro, mas é a realidade, patati, patatá...” Não há realidade nenhuma nas lindas caras de Julia Roberts e Jude Law, astros demais para convencerem como gente comum e mal-amada. Não é ruim, mas está longe de ser profundo ou grandioso. A melhor coisa da produção é a interpretação de Natalie Portman, que consegue nos passar algum desespero real, se esta era a intenção de Nichols. O resto é insípido.

Mas o de 2005 foi um Oscar de filmes medianos, bem realizados, mas sem nenhuma originalidade maior. Essa mediania se estende a RAY, cinebiografia sentimental e reverente demais de Ray Charles que se sustenta no talento do ator Jamie Foxx, realmente extraordinário, EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA, outra cinebiografia, simpática apenas, de Sir James Barrie, autor de “Peter Pan” etc.

Devemos, decididamente, estar no fim de uma época. Não é só o PT, em termos ideológicos, que agoniza a olhos vistos, na mais interminável ópera-bufa de corrupção da história da política brasileira, via televisão. Os ídolos de cinema dos anos 70, 80 e 90 recentes também. Robert de Niro, por exemplo, está lastimável numa “coisa” chamada O AMIGO OCULTO, colcha de retalhos de todos os filmes de terror e suspense que se possa imaginar que, lá pelo fim, o obriga a tentar imitar Jack Nicholson em “O iluminado” com um constrangimento que ele mal consegue disfarçar.

Filmes de gênero? Pegue nas locadoras o que v. quiser, os filmes de terror andam assustando muito pouco, as comédias pouco fazem rir, os filmes românticos são cada vez mais inconvincentes e pueris. E tome os super-heróis de gibis, todos vão sendo reciclados, não há um gibi do passado que não vire filme, e, em geral, as operações publicitárias para vendê-los são repletas de excitação que se transforma em tédio num tempo recorde (vai ficando mais curto o intervalo entre a expectativa e o malogro). E tudo se sustenta na desesperada ânsia da indústria de produzir novos sucessos com fórmulas antigas, que passam por novas só para quem não presta atenção em nada. Quem vê filmes há muito anos, como eu, se desespera, mas, que fazer? As revistas e jornais sucumbem aos esquemas de propaganda muito bem paga, e dão a impressão de que ninguém pode perder o que vem por aí...Com o tempo, porém, a gente sabe, decididamente sabe, que perder essas coisas não vai ser de modo algum uma perda.

Há trezentas razões para não se ir ao cinema, hoje em dia. Melhor ficar em casa, escolher bem os DVDs (de preferência, filmes clássicos, ou filmes que você já viu bem, pode rever e não vão desapontá-lo) ou ir aos pequenos cineclubes que sobrevivem, se houver algum em sua cidade. Se não, abra um livro, olhe a paisagem, saia na rua e converse com alguém. Tudo é melhor que se submeter aos milionários americanos entediados que imitam morcegos para fazer a justiça fascista imperar...

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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