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Por causa da rima

por Pablo Morenno *
publicado em 01/08/2005.

Jean Charles de Menezes, brasileiro, 27 anos, eletricista foi morto dia 22 de julho numa estação do metrô de Londres, como um terrorista. Mas ele não era um terrorista, era apenas um eletricista. Embora eletricista rime com terrorista não se pode sair por aí matando inocente só porque rima com serpente. A culpa é do medo. Com medo perdemos as rédeas dos sentidos, somos capazes de ver chifres nas serpentes e tornar terrorista um eletricista.

Vivian Menezes, prima de Jean, disse que ele não teria obedecido às ordens de parar porque estava com pressa. Mania dos bons brasileiros. Chegou em Londres e já adotou o horário britânico. A pressa, inimiga da perfeição, fez-se inimiga da vida. Meu primo estava indo para o trabalho e eles disseram que ele teve uma atitude terrorista. Aqui é uma correria daquelas. Às vezes, você corre para pegar o metrô porque, se perder e estiver em cima da hora, só vai pegar outro em três, quatro ou dez minutos. Então ele foi baleado na cabeça, quando estava de costas. Foi uma estupidez muito grande, não tem como explicar, disse Vivian.

Há poucos dias, quase sessenta pessoas morreram em Londres por bombas terroristas. Um dia antes da morte de Jean, quatro tentativas de atentados. Os policiais londrinos andam zonzos. Medo, pressa, fatalidade.

Jean Charles, brasileiro, não morreu na infância, não se tornou traficante, não quis ser matador de aluguel, não se fez empresário fraudador de concorrências públicas, não quis ser político. Preferiu ser eletricista em Londres.

Jean Charles não invadiu o Iraque, não mandou tropas para o Afeganistão. Esse rapaz não desobedeceu à ONU, não inventou armas químicas para Sadam, não mandou aviões contra as Torres Gêmeas e nunca pensou ser um homem-bomba.

Jean Charles não negociava petróleo, não era contra ou a favor de Bin Laden, pouco ou nada sabia do Alcorão nem ouviu vozes de Alá ou do além pedindo a morte de infiéis.

Jean Charles, eletricista, só estava com pressa para o trabalho.

A violência e o terror são paranóias mundiais. Até a Scotland Yard, tão cautelosa e britânica, considerada a mais bem preparada do mundo, perdeu o controle. Um policial foi morto em Guaporé e um jovem brasileiro largou a semente dos sonhos numa cova de sangue no metrô londrino. Diferentes lugares, distintas violências, uma mesma raiz. Temos medo uns dos outros. Quem mata tem medo, e quem morre tem medo. Os culpados têm medo, e os inocentes têm medo. Os terroristas matam por medo dos infiéis. Por medo, caçam-se terroristas.

No metrô de Londres, um jovem brasileiro levou cinco balas pelas costas. Procuro explicações. Lembro que os ingleses armaram um complô para matar Joana D´Arc. Jean e Joana soam aos ouvidos ingleses muito próximos. Sabe-se que os ingleses, desde a Guerra dos Cem Anos, não nutrem muita simpatia pelos franceses. Culpa dos pais de Jean. Culpa de Jean Charles. Com este nome fosse para a França, não para Inglaterra.

Tentei várias hipóteses para a morte de Jean Charles. Eu, pessoalmente, fico com a rima. Quem sabe “eletricista”, num inglês ruim e pronunciado com a pressa de trabalhador, soe como “terrorista”. Além do mais, problemas de rima, como se sabe, podem ser resolvidos com palavras, linguagem, fala, sem o uso de balas. Balas, embora rime com falas, só me interessam daquelas que posso repartir com as crianças. De frente e sem medo.

Sobre o Autor

Pablo Morenno: Pablo Morenno nasceu em 21.05.1969, em Belmonte, SC, e mora em Passo Fundo, RS. É licenciado em Filosofia e bacharel em Direito. Também é professor de Espanhol em cursinhos pré-vestibular, músico e servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho/4ª Região, e pinta nas horas vagas. Escreve uma coluna semanal de crônicas no jornal O Nacional, de Passo Fundo RS, e Nossa Cidade de Marau-RS. Colabora com os jornais Zero Hora, Direito e Avesso, e com sites de leitura e literatura. É Membro da Academia Passofundense de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono é Érico Veríssimo. Como animador cultural e escritor, participa de projetos de leitura do IEL- Instituto Estadual do Livro do RS e de eventos literários no Rio grande do Sul e Santa Catarina. Com suas palestras interdisciplinares e descontraídas, utilizando-se de histórias e da música, conversa com crianças, jovens, pais, professores e idosos sobre a importância da leitura e da arte na vida.

Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno

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