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Símbolos da Algazarra

por Rubens Shirassu Júnior *
publicado em 31/01/2005.

"Impossível entender o Satyricon, de Petrônio, (na tradução de Paulo Leminski diretamente do latim, editora Brasiliense, 192 págs., 1985) sem ter alguma noção das instituições da Roma escravagista, tão distintas das nossas. Gestos, hábitos, significados, tudo nos é tão estranho quanto num romance de ficção científica". O tradutor avisa ainda no posfácio do livro, que recriou os poemas e a prosa de Petrônio para uma linguagem mais viva e crua de hoje.Com fidelidade essencial ao texto latino para envolver diretamente o leitor na vida de uma obra de dois mil anos.

Nenhuma obra da literatura romana que nos chegou apresenta número tão elevado daquilo que a filologia chama apax legomena, palavras que só aparecem uma vez, nesse autor, e nesta obra. Em nenhum outro texto da literatura latina, encontramos palavras como baliscus, matus, carica, embasiceuta, scordalia, mixcix, bucolesias, caldicerebrius, laecasin e centenas de outras que se perderam no tempo, como plumas ao vento.

Tanto que os nomes dos personagens do Satyricon são todos gregos, com subsentidos significativos para seu público. Ascilto, em grego, quer dizer "infatigável". Eumolpo, "canta bem". Giton quer dizer "semelhante". Encolpo dá a idéia de "passividade". Outros personagens se chamam Psyche, Hermeros, Echion, Agamenon, Phileros, todos nomes helênicos, que funcionam como máscaras verbais no carnavalesco e carnavalizado romance de Petrônio. O nome de Trimalcião (Nero) éum composto burlesco greco-semita: tri, três vezes grande, e malkion, em semita, "rei", o imensamente ridículo três vezes rei. No caso de Petrônio, esse latim, salpicado de grego, estava a serviço de um talento (ou diremos gênio?) narrativo, de que mal podemos fazer idéia, dada a natureza fragmentária do Satyricon.

Acrescenta-se à riqueza do texto o fato de o Satyricon conter em seu fluxo de prosa inúmeros trechos em poesia, metrificados: é o que se chama de menipéia, uma forma mista, de composição, híbridismo, e coincidência opositória. Esta história, entre outras coisas, uma sátira ao ensino retórico, a prosa é plana, vulgar, popular, coloquial. Os poemas são inflados de uma retórica beirando o burlesco e o ridículo.

Seja como for, ainda não foi superada a capacidade de Petrônio em marcar o caráter, e até a profissão e a origem social, de um personagem pela linguagem que usa. O Satyricon é uma galeria de tipos, o liberto arrivista e cúpido, o mestre de retórica, pedante e livresco, o eunuco bêbado, o ridículo novo rico (nouveau riche), o cínico, o amoral aproveitador dos esbanjamentos de uma sociedade absurdamente desigual, um carnaval de máscaras e fantasias, uma poli-fonia. O Satyricon fala a linguagem do baixo-ventre, sob o signo da orgia, da bacanal, da embriaguez, de Dionísio, da confusão carnavalesca de todos os apetites. Este código devoratório do Satyricon encontra sua contrapartida numa espécie de complemento excretório: o Satyricon é todo percorrido por alusões ao ato de defecar, vomitar e urinar. Trimalcião (Imperador Nero) chega ao ponto de comentar suas dificuldades de evacuar diante dos seus convivas que devoram um javali.

Sobre o Autor

Rubens Shirassu Júnior: Designer artístico, jornalista e autor entre outros de Religar às Origens (Ensaios, 2003) e Oriente-se: Manual de Procedimentos no Japão, 1999.
É o autor da coluna OLHO MÁGICO na VERDES TRIGOS.

Contato: jrrs@estadao.com.br

Veja também o "ORIENTE-SE: Manual de Procedimentos no Japão"
Edição Independente de Rubens Shirassu Júnior
Site do Livro: http://www.stetnet.com.br/orientese/

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