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Pintura
por Conrad Rose
*
publicado em 18/01/2005.
Elvis aguardava Altevir - seu companheiro na guarda municipal - urinar no banheiro da ainda(?) soberana instituição citada. Era o que faziam: xixi e café; além da caminhada pré-determinada, conversa fiada e alguma informação logística. Ambos num azul mais que marinho a desbotar, sobretudo nos ombros e no chapéu que os equiparava. Sabiam-se motivo de riso e conheciam grande parte de seus apelidos neologismos adolescentes urrados pejorativamente nas janelas dos ônibus. Autoridade pífia, a dos anônimos servidores. Quer dizer, sobrenominais soldados, podados da truculência inerente da polícia.
Altevir tinha os rins vagarosos, embora metódicos. Depois daquele mictório, rotinava outros: nas Ruínas de São Francisco, no Schwarzwald, na Biblioteca Pública e no antigo Museu Paranaense donde hoje pipam do pior pó ao redor. Somadas às duas descargas no quartel esquina do Passeio Público na cadência do relógio-ponto, se estabelecia a exatidão de uma visita por hora, como se Altevir percentuasse a previdência social no urinol. Não só(!), pois uma destas era deveras prolongada, e na data descrita, fora a da escola de música.
Na espera de Elvis, rompeu Mariana, ereta a contornar a Igreja da Ordem, num andar requintado. Vinte floridos anos e outros tantos perfumados por vir. Umbigo reluzente à mostra, onde no dorso à mesma altura cessava a lisa cabeleira castanha a bailar. Tamanco somente para anunciar-se e olhos curiosos que iam e vinham, procurando um número; e que - em pouco - fixaram-se ao longe, determinando a distância que atravessaria.
Elvis percorreu a jovem com admiração de ourives frente à pepita. Viu-se a abordando e entrelaçando braço com ela, após um comedido beijo, como a retirá-la do altar ao findar do cerimonial; e pôde ouvir a marcha ao fundo antes de abortar o devaneio. Então, constatou sua posição e sua ridícula vestimenta. Ansiou ser devorado por paralelepípedos movediços ou simplesmente tornar-se invisível.
Sem essa. Obrigar-se-ia a vê-la desfilar, inflando os segundos, voluntariosa e juvenil, para enfurecê-lo de torpor e fatigar-lhe o ofício. A avassaladora Mariana dizimou Elvis e o fincou em sua introspecção Ribeirão do Pinhal. Mas aproximando-se, a jovem estendeu-lhe um impresso no qual se lia: "CURSO DE PINTURA, MUSEU ALFREDO ANDERSEN" - três quadras adiante. Não houve uma só palavra. O guarda indicou e pediu-lhe num gentil aceno que o seguisse, escoltando Mariana até o endereço. Sentiu-se servil e na melhor das companhias. Passeou com ela, mudo e levemente corado. O queixo dele logo firmou e o nariz ergueu-se de singela importância. Pela ausência de diálogo, Elvis imaginou inoperância nas cordas vocais da bela pedestre.
Na porta do museu-escola, Mariana sorriu de dentes todos e pronunciou:
- Thanks a lot. God bless you. e apertou-lhe a mão, para daí recolher-se na restaurada edificação.
Elvis retornou esfuziante, inspirando a palma da mão e murmurando adjetivos doces de gênero feminino, até Altevir, que o procurava intrigado. Quase nada de relevante abriu ao colega.
Contudo, ao expurgar a farda, abalou-se a um sebo e providenciou fitas K7 com aulas de inglês e um dicionário. Atravessou noites de estudo e viveu semanas de ronda excedente, à espreita nas voltas do local, disponibilizando-se ao encontro cheio de frases feitas. Quem dera.
Manhã seguinte, Mariana embarcava no Afonso Pena. Fora ao Andersen apenas para apreciar e fotografar, pois já dominava o óleo sobre a tela.
Notas da Verdes Trigos:
* Ilustração: Duas Raças, Pintura do norueguês Alfredo Andersen (*Kristiansand/1860, + Curitiba,PR/1935), o "Pai da Pintura Paranaense". Além da rica coleção pertencente ao Museu Alfredo Andersen, Curitiba, obras do artista podem ser encontradas em instituições culturais da Noruega, no Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Museu de Arte de São Paulo, Museu de Arte do Paraná, Museu Paranaense, Palácio do Governo do Estado do Paraná, Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Clube Curitibano, entre outras instituições e com um grande número de colecionadores do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, nos Estados Unidos e Noruega.
*Duas Raças: A obra representa a filha mais nova do artista, Alzira, morena trajando vestido preto, e a afilhada, veio de Contenda - PR para trabalhar na Capital, passando a morar com os padrinhos. Em segundo plano fundo colorido com motivos orientais, que beiram uma abstração. Esta obra representa uma passagem entre a tradição acadêmica (as jovens) e o modernismo (fundo).
Sobre o Autor
Conrad Rose: Conrad Rose é um escritor paranaense que observa o comportamento humano e brinca com sua paisagem. Atualmente ministra oficinas de criação literária em Santa Teresa, bairro do Rio de Janeiro.Email: conradrose@hotmail.com
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