Crônicas,contos e outros textos
PÁGINA PRINCIPAL → LISTA DE TEXTOS → Airo Zamoner →
Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural
VerdesTrigos está hospedado no Rede2
Leia mais
-
NOSSOS AUTORES:
- Henrique Chagas
- Ronaldo Cagiano
- Miguel Sanches Neto
- Airo Zamoner
- Gabriel Perissé
- Carol Westphalen
- Chico Lopes
- Leopoldo Viana
- mais >>>>
Link para VerdesTrigos
Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.
Anuncie no VerdesTrigos
Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui
A tentação de lavar as mãos
por Airo Zamoner
*
publicado em 25/05/2004.
– Vou me esforçar, doutor. Prometo! – Augusto cortou a conversa para não ouvir a lista formatada de desgraças a ameaçar seu futuro..
Caminhou duro até o alto da cidade. Postou-se no parapeito de um mirante improvisado. Apoiou o corpo cansado. Cansado, não só da caminhada forçada, mas de tantas outras caminhadas. Dali, tinha um ângulo anônimo da cidade. Não sabia se isso era bom, ou não! Nunca aprovou nada anônimo... Olhou o relógio. Lá se foram os quarenta minutos recomendados. Podia parar e olhar para baixo, onde o burburinho continuava em liberdade.
– Linda a cidade daqui, não? – o desconhecido encostava-se ao parapeito e admirava a vista.
– Parece bem melhor do que lá de baixo, não?
– É verdade! Faz tempo que prefiro olhar somente daqui.
– Você tem razão! Olhar tudo de longe disfarça os defeitos...
– Que defeitos você consegue identificar daqui?
– Não sinto poluição no ar; não vejo os buracos nas calçadas e ruas; não escuto os barulhos tirânicos, não vejo miséria alguma...
– Não se percebe o que as pessoas estão fazendo...
Augusto o encarou e quase se viu no espelho. Ele, impassível, não reagiu! Augusto voltou-se para a vista da cidade, intrigado com a semelhança física.
– Você é incrivelmente parecido comigo! Estou surpreso! Não seremos parentes?
– Pode ser...
– Acha bom não ver o que as pessoas estão fazendo?
– Acho! Já me preocupei muito com isso...
– Não se preocupa mais?
– Prefiro olhar de longe e admirar os resultados...
– Gosta dos resultados que vê? – provocou Augusto.
– Se você considerar a média desses resultados, eles agradam...
– Mas tem as mentiras, o egoísmo, os assaltos, a miséria fabricada, os corruptos, os assassinos, a exclusão social...
– Tem os idealistas, as mães, os bebês, os sábios, os artistas... – insistiu o desconhecido.
– Os doentes, os cancerosos, os aidéticos, os loucos, o aquecimento do planeta... E a falta de ética...
– Mas temos os éticos?
– E os traidores?
– Existem os verdadeiros!
– E quanto aos falsos?
– Há os abnegados.. – o desconhecido não desistia.
– Os estelionatários...
– E os caridosos?
– E os impostores?
– Você está estragando minha vista da cidade... – Augusto sentiu ameaça velada em seu tom de voz.
– Estou apenas mostrando que lá embaixo a coisa está podre e não podemos ignorar...
– Já vivi tanto quanto você e sabemos o que está acontecendo...
– Como sabe que viveu tanto quanto eu? Ei! Onde está você?
Era grande e largo o espaço em volta de Augusto e o desconhecido simplesmente desaparecera. Ou nunca existira?
Intrigado, Augusto foi descendo para a cidade, devagarinho. Olhou as mãos sujas do parapeito sujo. Mãos sujas o incomodavam. Sentiu uma tentação imensa de lavar as mãos para sempre!
Sobre o Autor
Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
LEIA MAIS
Cordel para Vincent Van Gogh, por Gustavo Dourado.
Jornalistas no cinema: ação!, por Rodrigo Capella.