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Crônica de Um Lançamento

por Rosângela Vieira Rocha *
publicado em 01/12/2004.

Dobras da Noite e A propósito de águas virtuosas

Na rodoviária, mesmo de manhãzinha, já se podia perceber que o dia seria quente. O motorista do táxi contou da sua alegria pela eleição do novo prefeito, cujo nome não perguntei, por esquecimento. "Ele foi prefeito há dez anos e fez dessa cidade um brinco, cuidou dela como se fosse a sua casa. Esperamos que repita a dose, na nova gestão". Fiquei pensando como a cidade, que mais parece um brinco-de-princesa, a flor, podia tornar-se ainda mais brinco. Logo estávamos no hotel modesto que havia reservado, muito bem localizado, em frente ao parque mais bonito da cidade. José Antonio Pereira, escritor de Cataguases, que me fora apresentado através da Internet por Ronaldo Cagiano, já havia chegado ao hotel. Ele ainda não conhecia Poços de Caldas e nem mesmo conhecia pessoalmente Chico Lopes, o escritor que, à noite, lançaria o livro de contos Dobras da Noite.

Tentei dormir, mas foi impossível. Depois de viajar catorze horas de ônibus, os músculos, ainda entorpecidos, não quiseram saber de relaxar. Horas depois chegou o Chico, alegre e agitado, carregando livros em sua sacola. Tinha muitas coisas a fazer e deixou-nos. Fomos caminhar pelo parque, meu novo amigo e eu, em meio a flores antigas, que quase não vemos mais: árvores com enormes magnólias, pés de camélias, damas da noite, canteiros grandes, cobertos de rosas vermelhas e amarelas, que morrem nos pés, sem ninguém tocá-las.E muita sombra, oferecida pelos galhos imensos, cobertos de heras. Paramos num charmoso café estilo parisiense, ali no parque mesmo, em meio a fontes luminosas, sentindo o perfume das flores e tomando capuccino com torta de limão.

À noite, fomos para o imponente prédio do Instituto Moreira Salles, participar do lançamento conjunto de Chico Lopes e de Stelio Marras, que não conhecia. Chico estava radiante, de camisa vermelha, poderosa, acompanhado de Vitória, sua simpática esposa, vestida de verde-claro, e de Elisa, a filha de quase treze anos, de minissaia de jeans. Sua alegria foi ainda maior com a presença de três de seus amigos de Novo Horizonte, SP, sua terra natal, e do Gil Perini, cardiologista e contista de Goiânia, com a esposa. Gil, muito sorridente, de terno e gravata, saiu de Goiás para Poços de Caldas, onde passaria apenas uma noite.

Às nove horas já havia um grande número de pessoas. Para meu espanto, a quantidade de livros vendidos superou a dos melhores lançamentos de Brasília. Impressionaram-me a popularidade e o prestígio do Chico, na cidade aonde chegou nos anos noventa. Quanto a Dobras da Noite, prefaciado por Nélson de Oliveira, tem uma capa linda e foi muito bem produzido pelo Instituto Moreira Salles. Ainda não pude lê-lo, embora conheça alguns contos. Modéstia à parte, um dos mais bonitos, Belmiro agoniza, foi dedicado a mim. Outra surpresa agradável foi o Stelio Marras, autor de A propósito de Águas Virtuosas, que obteve o prêmio de melhor dissertação de Mestrado no Concurso CNPq-ANPOCS de Obras Científicas e Teses Universitárias em Ciências Sociais edição 2003. Prefaciada por Antonio Candido, com mais de quatrocentas páginas, a obra contém fotos belíssimas de Poços de Caldas no início do século e é escrita de maneira simples e correta, que em nada faz lembrar a linguagem enjoativa, usual em teses acadêmicas. Muito jovem, Stelio mais parece um ator de cinema do que um antropólogo e escritor.

Após o lançamento, fomos comer pizza com os amigos de infância de Chico e Rose e Antonio Fontela, que moram na cidade. No sábado, a família Lopes levou-nos para ver os cristais. Apaixonei-me por um cinzeiro vermelho, que ficou apenas na vontade. Fazia um calor insólito, antes de começar a chuva, à tardinha, com a conseqüente queda da temperatura. José Antonio Pereira e eu jantamos na casa do Chico, tão minúscula quanto aconchegante. Vitória preparou-nos uma carne de porco celestial. Voltamos para o hotel debaixo de uma chuva grossa, sentindo o perfume das damas da noite por todo lado. No domingo cedo o amigo retornou a Cataguases e, à tarde, peguei o ônibus de volta para Brasília. Mais catorze horas que percorreria de novo, só para ver a alegria do Chico autografando o segundo rebento, a que certamente se seguirão muitos outros.

No caminho, comecei a pensar em adquirir, daqui a algum tempo, quando puder me dedicar somente à escrita e à leitura, uma casinha em Poços, para passar a temporada da seca. Embora fascinante, o cerrado nos torna um tanto duros. A Serra da Mantiqueira, com sua vegetação esplêndida, certamente suaviza mentes e espíritos. Isso sem falar na concretude e na delíciados queijos, doces e lingüiças da região.

O fato de ter gostado muito dessa quarta viagem a Poços de Caldas não me impediu de lamentar as ausências, entre outras, de Ronaldo Cagiano, Menalton Braff, Henrique Chagas, Vivaldo Trindade, Manoel Hygino dos Santos, Ângelo Caio Mendes Correa Jr. e David Oscar Vaz. Tanto Chico, a quem chamo de Mano, como eu, teríamos ficado encantados com a presença da escritora Rachel Jardim, nossa querida amiga, que, por motivo de saúde, não pôde comparecer. Mas, no mundo, perfeito é só Alá, o misericordioso...

Sobre o Autor

Rosângela Vieira Rocha: Mineira de Inhapim/MG, jornalista e mestre em Ciências da Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo; atualmente é professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

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