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Por Estranha Ironia

por Maria Cristina Castilho de Andrade *
publicado em 09/08/2004.

Da infância o que trouxera era o hábito de roer as unhas. Nem se lembrava mais de quando começara a fazer isso. sabia, no entanto, sem buscar as causas que, em parte, substituía a ausência da mãe e a falta de presença do pai. Com o cotovelo do braço direito apoiado na mesa, o pensamento cinza e olhar no vazio, roía a unha até o dedo sangrar. Assim, pelo menos, sentia alguma coisa, e sentir atesta que estamos vivos.

Entrou na adolescência. A irmã já passava por ela e sentia-se adulta. Sonhos? Haviam concluído que havia raízes e troncos; raízes emaranhadas, contorcidas, doloridas que nas noites escuras de inverno confundem seus lamentos com os das aves noturnas, e gemem... e choram... e gritam.... nos troncos úmidos, pousam fungos... cogumelos...

A irmã decidiu romper as amarras e foi para a casa noturna com promessas de Cinderela. Carne nova... Muito brilho e graça... Pele sedosa.... Gosto de álcool... Torpor do prazer... Música alta.... Strip-tease... Leito suado, tilintando moedas com som de sinos em cortejo fúnebre... algemas... Pelourinho...

Ela foi também. Precisava sobreviver. Viver? Não sabia o que era isso. Entrou na fila, mostrou o corpo, e o homem, dono do bordel, imprimiu, em sua vontade, uma marca de lucro.

Submeteu-se. Precisava. Dele, também alugou a casa onde morava. O dinheiro não ficava, mas mesmo assim conseguiu montar seu mundo com alguns móveis e aparelho de som. Agora, pelo menos, ouvia vozes que cantavam para ela.

A irmã conquistou um coração e foi embora. Ela, pela humilhação que sofria, quando se tornou sombria foi tentar, em outra cidade, um espetáculo sem argolas de ferro. Não conseguiu. Cada vez mais sua estrutura física dobrava-se, voltando-a para o chão. O olhar no nada deu lugar à angústia.

A irmã comoveu-se e convidou-a para que viesse junto. Foi buscar as roupas, os móveis, o aparelho de som. O explorador de mulheres negou. Só permitiria a retirada se pagasse uma quantia, que não tinha.

Procurou envergonhada, cabeça baixa, alguém que a considerasse gente, e contou sua história. Sangrava nela, entre outras feridas, a da opressão.

Foi feito o Boletim de Ocorrência. Alguém quis proteger o dono do bordel, mas não conseguiu. No mesmo dia a moça foi com suas coisas para a casa da irmã, enquanto Betânia cantava: "Atiraste uma pedra/ turvando essa água/ essa água que um dia/ por estranha ironia/ tua sede matou."

Sobre o Autor

Maria Cristina Castilho de Andrade: Cristina Castilho é professora de Português e agente das Pastorais da Mulher e a Carcerária. No trabalho com mulheres prostituídas e presidiários, circulou e circula pelo submundo, conhecendo sua realidade. Seu livro de crônicas conta a história das pessoas com quem se deparou no submundo do mundo. Escreve semanalmente no Jornal da Cidade de Jundiaí; mensalmente no Suplemento Estilo do Jornal de Jundiaí - Regional e, quinzenalmente, no Jornal de Abrantes - Portugal.

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