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Conteúdo Facista da Telenovela

por Antônio Ribeiro de Almeida *
publicado em 19/06/2004.

O escritor português Jorge Leitão Ramos desencadeou na pátria mãe uma grande e proveitosa discussão com o seu artigo "A Telenovela é o Fascismo", publicado na revista Expresso de oito de junho deste ano. Uma discussão desta é impensável no Brasil onde a telenovela impera nos meios de comunicação e constitui um dos pés do tripé da alienação nacional, sendo, os outros dois, o Futebol e o Carnaval. Fico a cismar como ela atua tão imperiosamente sobre a vida de milhões de brasileiros que regulam seu dia a dia pelo ANTES da novela e DEPOIS da novela. Revistas existem que formulam perguntas e promovem concursos sobre quem seria o assassino de determinada personagem ou se uma personagem ficará com o mocinho ou se será conquistada pelo dinheiro do malvado. E isto é discutido, como se fosse a vida real, nas casas, nos locais de trabalho e nos bares. Não conheço nenhum estudo sério - é possível até que existam e estejam esquecidos nas bibliotecas universitárias - sobre o papel da telenovela na vida dos brasileiros, seja modelando novos comportamentos ou implantando anti-valores em cabeças não críticas.

Quando li este artigo do Leitão Ramos me vi na obrigação de refletir, com os meus leitores, sobre alguns dos pontos que ele desenvolve e que relacionam a telenovela com a forma de vida fascista. Isto, provavelmente, incomodará a muitos e sentir-me-ei satisfeito se um defensor das telenovelas escrever um artigo provando justamente o contrário do que foi denunciado pelo crítico português. Examinarei apenas três pontos:

Ponto 1. A telenovela é o desdém pelo espectador enquanto ser pensante- tudo está digerido; Ponto 2. A telenovela é a interdição da ambigüidade- a realidade é óbvia e Ponto 3. A telenovela é o triunfo das massas, não no sentido democrático, mas no sentido da demagogia- mantê-las amarradas a uma ração insípida e insipiente é a melhor forma de elas nunca saberem que os senhores comem outra coisa.

A telenovela, com o seu vocabulário de poucas palavras, com tomadas de câmara programadas, com a velocidade com que os quadros se sucedem, trabalha, excessivamente, com o despertar de emoções no tele-espectador e impede a reflexão. A psicologia tem demonstrado que, quanto mais intensamente uma emoção domina uma pessoa, menos ela raciocina. O mesmo não acontece, por exemplo, quando se lê um bom livro e o leitor pode reler muitas vezes uma passagem e refletir sobre o que está acontecendo. Nos grandes romances, seja de um Machado de Assis ou de um Josué Montello, nem tudo está digerido. Eles pedem reflexão e existe um perfeito equilíbrio entre pensar e sentir. A telenovela explora mais o sentir do que o pensar, e, isto é um traço do fascismo.

O segundo ponto proposto por Leitão Ramos é com relação à realidade. A ambigüidade é o oposto do que acontece na telenovela onde a realidade é óbvia. Ambigüidade, na filosofia existencialista, é a situação do homem na existência que deve lutar para dar sentido à vida. Na telenovela o que temos são personagens que vivem dilemas cujas soluções o tele-espectador advinha. A ausência desta ambigüidade é outro traço do fascismo.

Finalmente, no terceiro ponto Leitão Ramos aponta que a telenovela oferece às massas uma "...ração insípida e insipiente " que elas devoram e que não permite que elas descubram que os senhores (aqueles que controlam as redes de televisão, que fazem e desfazem presidentes como os mitos nos esportes, na música, etc. ) "comem outra coisa. " Isto me lembra uma pergunta que fizeram, há anos, a um poderoso dono de tv no Brasil se ele assistia as novelas do seu canal. Sua resposta foi muito clara : " Eu nunca assisto tv." Ele, evidentemente, e sua entourage comiam outra coisa, enquanto o povão estava escravo das suas novelas e chorava, suspirava, ria e odiava. E isto é fascismo! Ao leitor deste artigo, que também assiste telenovelas, fica o convite para que confira estes pontos e constate se eles são ou não pertinentes.

Sobre o Autor

Antônio Ribeiro de Almeida: Jornalista e escritor de São José do Rio Preto/SP.

Doutor em Psicologia Social, FFCLRP-USP



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