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O STF e o racismo: o caso Ellwanger

por Celso Lafer *
publicado em 30/03/2004.

Práticas discriminatórias, inspiradas no racismo, estão lamentavelmente na ordem do dia. São expressões de intolerância que põem em questão os valores da democracia e dos direitos humanos. Entre os incidentes recentes da prática do racismo, os documentos da ONU elencam a xenofobia, a negrofobia, a islamofobia e o anti-semitismo.

Para a discussão jurídica dessa problemática, o Supremo Tribunal Federal deu inestimável contribuição ao decidir o caso Ellwanger. Como se lê no acórdão recém-publicado, o STF confirmou, em setembro de 2003, por 8 votos a 3, a condenação, pelo crime da prática de racismo, de Siegfried Ellwanger. Este vinha, no correr dos anos, dedicando-se de maneira sistemática e deliberada a publicar livros notoriamente anti-semitas, como os "Protocolos dos Sábios de Sião", e a denegar o fato histórico do Holocausto, como autor do livro "Holocausto - judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século".

O caso Ellwanger é um marco na jurisprudência dos direitos humanos, cuja prevalência na Constituição de 1988 é uma das notas identificadoras do Estado democrático de Direito. Em seu preâmbulo, a Constituição sustenta os valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos e contempla, entre os objetivos da República, o de promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No capítulo dos direitos, a Constituição brasileira consagra o princípio genérico da igualdade e da não-discriminação. Especifica também que a prática do racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei.

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"A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social"
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A lei brasileira enquadra, em consonância com a adesão do Brasil às convenções internacionais correspondentes, no crime da prática do racismo o praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.

O primeiro grande tema discutido pelo STF nesse caso foi a análise da questão: anti-semitismo é racismo? A questão foi suscitada no habeas corpus impetrado perante o STF em favor de Ellwanger. Com o objetivo de afastar a imprescritibilidade da pena a que fora condenado, argüiu-se que o crime praticado não era o do racismo, porque os judeus não são uma raça. Com efeito, os judeus não são uma raça. Mas não são igualmente uma raça os brancos, os negros, os mulatos, os índios, os ciganos, os árabes e nenhum outro integrante da espécie humana.
Nas palavras da ementa do acórdão, da qual foi relator o ministro Maurício Corrêa, cuja lúcida atuação neste caso foi decisiva: "Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais".

Todos os seres humanos, no entanto, podem ser vítimas da prática do racismo. Daí o alcance geral da decisão do STF, explicitada na ementa do acórdão: "A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Deste pressuposto origina-se o racismo, que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista".

Disso deflui a orientação fixada pelo STF no caso concreto: anti-semitismo é racismo, e Ellwanger está sujeito às sanções penais contempladas pelo direito brasileiro, pois "a edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o Holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam".

O acórdão também esclarece que a ausência de prescrição justifica-se como alerta geral para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem.
A segunda questão discutida pelo STF versou sobre o tema do eventual conflito entre princípios constitucionais, tendo sido ponderada, no caso concreto, a existência ou não de uma antinomia entre a liberdade de manifestação do pensamento e a condenação de Ellwanger pelo crime da prática do racismo.

Esse tema foi amplamente discutido pelo STF, cabendo destacar os votos dos ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. A orientação fixada no acórdão foi a de que a garantia constitucional da liberdade de expressão não é absoluta, tem limites jurídicos e não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações que implicam ilicitude penal. No caso concreto, explicita o acórdão: "O preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica".

O STF, por meio dos votos dos ministros Maurício Corrêa, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, honrou, nesse acórdão, com base no direito, a Justiça no Brasil.

Publicado na Folha de S. Paulo - 30/3/2004 - por Celso Lafer*

Sobre o Autor

Celso Lafer: Celso Lafer, 62, é professor titular da Faculdade de Direito da USP. Foi ministro das Relações Exteriores (governos Collor e FHC) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (governo FHC). É autor, entre outras obras, de "A Reconstrução dos Direitos Humanos - um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt".

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