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Jornadas de novo autor: falando no escuro
por Chico Lopes
*
publicado em 07/02/2004.
Para divulgar o meu livro, dentro de meus recursos, topei de tudo - falar em rádio, em tevê, falar em escolas, fazer pequenas palestras e encontros aqui e ali, em escala paroquial, e, na melhor hipótese, regional. Poços, situada na fronteira com São Paulo, é um híbrido de Minas e São Paulo que é, por vezes, clamorosamente ignorado por Minas, como se mineiro não fosse. Como nasci e vivi sempre no interior de São Paulo, nem me pareceu estranho que fosse esse estado o primeiro a me convidar para alguma coisa. Em São João da Boa Vista, um livreiro, interessado no livro, interessado em promover um intercâmbio regional de escritores, levando-os de uma cidadezinha a outra no âmbito de seu comércio, quis então que eu me dispusesse a ir a esses lugares, em programações noturnas, saindo de Poços até São João - a trajetória é curta - onde seria apanhado por ele, que, de carro, pagando a gasolina, me levaria aos lugares escolhidos, onde alguma publicidade antecipava a "visita do escritor" - naturalmente, nada famoso (mas há lugares onde uma visita qualquer desse tipo é suficientemente excêntrica e pode se constituir uma excitação, uma fuga à pasmaceira). Fui, e isso durou coisa de ano e meio. Muito mais pela obstinação do livreiro e pela minha que por qualquer resultado promissor.
Noites num mundo alheio
Nas escolas, as caras juvenis, por vezes muito simpáticas, podem causar medo. São ávidas de que você, o visitante, faça por elas algum número de tevê ou circo que justifique elas terem saído de casa ou deixado uma aula para ver e ouvir. Te acham engraçado, ou querem que alguma coisa em tua aparência, na roupa, nos sapatos, seja ridícula. A Literatura, para elas, é um mundo solene e chato, e por vezes, embora a boa vontade com o visitante seja notória, é impossível esconder o quanto abominam conversas de escritores, livros, sugestões de professores. Só há ânimo quando revelo que comento filmes, e aí me perguntam fartamente de Cinema, chateando-se porque os meus gostos não combinam com suas expectativas. Nunca encontrei quem escrevesse com prazer, senão mocinhas com seus infalíveis diários, esboços de poesia, por vezes o sonho de publicar, mas sem ânimo, porque acham tudo muito difícil, e escrever é penoso, com regras para as quais se sentem inermes. Parecem se impacientar com o que, no visitante, é uma floresta de subjetividades e contradições decididamente hieroglífica. Além disso, falo de autores que nunca se atreveram a sequer folhear. Embora bizarro, não lhes pareço suficientemente divertido.
Vi, noite após noite, cidade após cidade, um público cada vez menor, mais cínico, mais cansado, e desenvolvi uma espécie de habilidade de animador de auditório, para poder transmitir algumas idéias de escritor, mas as estratégias falharam, porque só ao animador se dignavam a dar alguma atenção - para rir, para zombar, ou fazer perguntas que tinham a finalidade clara de provocar risadas em grupinhos com códigos de esculhambação. Por vezes, será necessário contar piadas, falar de alguns detalhes de tevê. Não há mundo cultural para eles - tudo é entretenimento, ou nada é. Livros, vendi poucos, a adultos de fora do esquema estudantil. Há algumas raras compreensões de que há Literatura em jogo: os inteligentes de alguma cidade ou outra aparecem, mas são criaturas isoladas, consideradas enfadonhas ou pretensiosas. Trocam comigo aquele tipo de olhar cúmplice e impotente que revela a identidade de um exilado para outro num país estrangeiro.
Estranhos esses lugares, noites vazias, muito vazias, com um bêbado ou outro se animando a chegar à mesa dos "forasteiros". Os jovens são barulhentos demais, primários demais e parecem num estado terminal de tédio, com vontade apenas de beber, agredir, dizer obscenidades, chutar, berrar, ulular. Livros, melhor queimá-los; escritores, Deus me livre. Na penúltima das palestras, um único rapazinho, triste, sem rumo, entrou perguntando se era ali, naquele lugar, que um escritor ia falar. Falei com ele, praticamente rosto no rosto. Sorria, envergonhado, porque era um absurdo ter isso só para si, não era ninguém para ser público único de escritor. Na última, um outro, enchendo-se de coragem - e sendo estimulado e escarnecido por um grupinho - levantou-se para dizer que não conseguia trabalho, fazia inúmeros bicos para ter 200 reais por mês na melhor hipótese, estudava à noite e, chegando cansado em casa, jamais abriria um livro, e, bom, que é isso? Nunca teria dinheiro para comprar livro nenhum. "Moço, nós não temos futuro...", afirmou. Tive a coragem de responder: "Nós, escritores, também não". Isso rendeu grandes risadas.
Na volta, muitas vezes, o dinheiro de algum ou outro livro vendido desaparecia na necessidade de pagar um táxi, porque, muito distante do meu bairro, não havia ônibus circulares na noite avançada e deserta, lugubremente deserta.
O máximo em vazio e tristeza, no entanto, pareceu-me essa última noite. Depois de ouvir a queixa mais que fundamentada do corajoso, voltei num ônibus da Cometa também vazio, e, sozinho lá, olhando para os recortes negros, intimidadores, da serra da Mantiqueira na passagem de Águas da Prata para Poços, eu parecia estar num corredor de pesadelo. Eu sentia que tinha que repensar tudo isso, que a utilidade de um escritor neste país miserável, qual é?
Assim, acabaram-se as pequenas viagens, acabou-se o primeiro reconhecimento do território oferecido por esse enigma: o público estudantil. E nada mais eu quis dizer nem ninguém me perguntaria.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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