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TAXAS E CUSTAS JUDICIAIS NA PARAÍBA: UM NOVO HERDEIRO

por Leopoldo Viana Batista Júnior *
publicado em 24/11/2003.

Em um dos arrolamentos que patrocino como advogado, o arrolante me perguntou o porque da cobrança de tributos pelo Estado e taxas pelo poder judiciário, sobre o espólio que diz a lei lhe foi transmitido no momento da morte do seu ente querido.

Pretendendo explicar-lhe em linguagem mais simples possível, iniciei por lembrar que arrolamento é ação judicial... que tramita via poder judiciário, a fim de que seja homologada partilha de bens havidos por herança... que dentre outras características, registra a ausência de conflito ou demanda na divisão dos bens herdados entre herdeiros capazes, e por aí fui...

Lembrei, ainda, que, na prática, o arrolante oferece ao juiz a partilha dos bens da herança já previamente acordada entre os herdeiros, paga o imposto de transmissão causa mortis, taxas e custas judiciais, e, por fim, vê-la homologada, quando será ela registrada nos cartórios próprios.

Continuei expondo que não obstante compor o capítulo dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, inexistindo qualquer conflito incidental – o que não é provável - não passa o procedimento, mesmo, de uma quase jurisdição voluntária, eis que muito se parece, por exemplo, com uma separação consensual, onde o magistrado aprecia o pedido das partes, aplica as normais legais, e homologa o combinado pelos cônjuges.

O tributo cobrado, como afirmei ao cliente, é parte das despesas que o cidadão tem ao longo de sua vida com “O Condomínio”, que nada mais é do que o chamado Estado.

De forma simples, pois, tentei fazer uma conexão entre o Estado, por seus poderes, e um grande condomínio arrecadador de dinheiro, que o usa para fazer frente às despesas que os próprios condôminos fazem ou necessitam (saúde, educação, segurança...) ou transforma essa arrecadação em melhorias para os tais condôminos, fazendo, na prática, uma redistribuição de riquezas.

Em verdade senhor cliente, disse-lhe, a sociedade (o condômino) ao longo dos tempos se organizou e decidiu que alguns atos a serem prestados pelo administrador/síndico do condomínio (Estado) deveriam ser pagos (mais um pouquinho do contribuinte) à vista de situações excepcionais, em acréscimo aos pagamentos que estes mesmos cidadãos (condôminos) fazem durante toda sua vida útil (pagamento rotineiro de impostos diretos e indiretos os mais diversos). Dentre os tais atos, se encontra o imposto de transmissão por morte. Ou seja: quem herdar um bem, se obriga a pagar ao Estado percentual significativo sobre este mesmo bem, quando então poderá regularizar sua propriedade.

Não discorri - pela cara que já fazia o meu cliente - que o trabalho de toda uma vida do seu ente querido, em tese, já teria levado o administrador do condomínio a receber diversas vezes em impostos parte significativa ou mesmo o total do valor daquele bem, não se justificando sua nova taxação aparentemente graciosa, em razão de uma simples transferência patrimonial, que, diga-se a propósito, já lhe era legítima até mesmo por afinidade.

Voltei à falação, afirmando-lhe, portanto, ser possível até mesmo não se gostar de determinados impostos. Entretanto, foram eles mesmos pelos cidadãos (condôminos) autorizados, via processo legislativo (legisladores eleitos pelos próprios condôminos), e devem ser quitados a fim de que o administrador condominial possa cumprir com suas metas de bem servir a coletividade em “detrimento” do indivíduo.

Nesse estágio da conversa meu cliente já começou francamente a demonstrar sua insatisfação, transmitida por face constrita, testa enrugada e cenho franzido, e me afirmou com ênfase:

“Ocorre senhor advogado, que alguns deles se parecem mais com uma bitributação, que nada mais é do que o pagamento de imposto duas vezes pelo mesmo fato gerador”.

Agora em parênteses, suas noções de fato gerador; impostos; tributação, eram já bastante evidentes para este causídico, e me levaram a iniciar a observação de que a coisa guardava um certo nexo de causalidade. Não é que aparentemente se estava a pagar novamente “impostos” ao condomínio, se levarmos em consideração que, além deles, seria pago novamente taxas ao poder judiciário?

Continuou o cliente:

“Nesse caminho, o tal condomínio, desta feita por um outro dos seus braços - no caso o poder judiciário - ao processar o arrolamento (repartição e distribuição dos bens aos herdeiros) cobra novamente taxas e custas”.

E seguiu:

“Repare também, senhor advogado, me disse ele já avermelhado, estou pagando o imposto de transmissão em valor significativo, são 4% sobre o valor dos bens, e mesmo assim vou pagar novo valor duas vezes maior que o imposto de transmissão, valor esse somente para o poder judiciário tramitar com minha ação? Já não pago como contribuinte, no geral, para a manutenção do condomínio? Não deveria receber esta prestação de serviços de forma gratuita, ou mesmo em percentual módico, que não representasse, no final das contas, um novo herdeiro do monte? (são 08 os herdeiros no caso dele)”.

Anuí imediatamente com o meu cliente. Precisava deixá-lo mais tranqüilo, pois temia o imprevisto de, desta vez, um inventário se iniciar em meu escritório.

Verdade meu caro, não é que o valor das custas e taxas judiciais da ação de arrolamento representa exatamente outro herdeiro!

Fiquei um momento a pensar como a nossa própria sociedade é injusta ao legislar. Como aceitar que as despesas judiciais, sem considerar o pagamento do imposto de transmissão, se equiparem a um novo herdeiro de uma já parca herança? Como aceitar que somente o poder judiciário na Paraíba represente algo como, no caso dele, 9% de despesas acrescidas?

Disse-lhe que a responsabilidade é da legislação permissiva. Tudo é legal e positivado.

Olhou-me o cliente impávido, e no alto da sua autoridade de representante dos 08 herdeiros da herança, me afirmou “que teve o cuidado de consultar o telejudiciário local, sendo ali informado que dos 9% pagos à justiça, em torno de 1/5 se referia a uma taxa judiciária; o restante do percentual, ou 4/5 dos 9% estava dividido em diversas partes que para ele se mostrava especialmente não palatável”.

“Lembrou-me que dos 4/5 restantes, 3/5 é destinado a um fundo especial do poder judiciário, e do outro 1/5, 3% para um fundo especial do Ministério público; 10% para um fundo especial para recuperação dos presídios; 1% para a associação dos magistrados; 1% para a associação do Ministério Público; 1% para a associação dos Procuradores do Estado; 1% para a associação dos advogados de ofício, e pasme senhor advogado, continuou ele, outros 3% para a sua OAB local, totalizando os 9% sobre o valor dos bens”.

A essa altura, quem já estava de cenho franzido era este causídico, e vermelho também! E por algum tempo assim fiquei, meio anestesiado, pois, confesso, nunca havia reparado nos percentuais de distribuição que a lei determina e que, acrescidos dos impostos, importariam algo como 13% do monte.

Pois bem. Como eu justificaria essa distribuição? É justo o pagamento da taxa; deve ter ela destinação em prol do poder judiciário local ao fundo especial deste, mas, como aceitar a destinação de valores para recuperação de presídios (que deveria receber recursos de outra fonte orçamentária do condomínio) e associações as mais diversas, inclusive a casa que defende o cidadão?

Apesar de alertá-lo que a OAB local havia abdicado desse percentual e movia uma ação junto ao STF em face da flagrante inconstitucionalidade da legislação, nada! Ele não compreendia, com razão, como é que o condomínio, que já arrecadava em diversas outras fontes orçamentárias, o fazia também para destinar à vida social de associados os mais diversos.

Debalde minhas singelas explicações sobre os movimentos sociais proativos! Nada de mudança no rosto do cliente...

Culpa nossa, enquanto povo, foi outra vertente que busquei. Culpa nossa repisei, eis que é legal a cobrança; decorre de legislação, e em sua confecção, provavelmente, foram esquecidos os princípios gerais de direito que regem o próprio condomínio, especialmente aquele de que não se deve fazer ao próximo aquilo que não se deseja para si...etc...etc...

Meio encabulado, finalizei aquela conversa com uma proposta diferente: lembre senhor herdeiro, disse-lhe em tom quase profético, todos nós, mesmo aqueles mais taludos, um dia partiremos sem qualquer possibilidade de retorno, e naquele caminho nada levaremos conosco. Nenhuma moeda, ou bem, nos acompanhará, exceto a energia positiva da solidariedade e da caridade porventura prestadas, e mesmo assim desde que tenha sido ofertada com o nosso próprio suor e sacrifício.

Assim, penso que enquanto mantida a atual legislação, ora combatida pela OAB, e se vivos estivermos, poderíamos aproveitar a parte material obtida com nosso esforço, e dela usufruir condignamente. Como segunda opção, enfatizei - considerando o poder moderador que possui o titular dos bens enquanto vivo – fazer ele a transferência patrimonial em tempo, se for o caso com usufruto seu, economizando, no mínimo, um herdeiro.
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Sobre o Autor

Leopoldo Viana Batista Júnior: Cronista.
Autor do Livro: Estrada de Barro para Ladeira de Pedra.
Advogado da CAIXA em João Pessoa/PB.
Professor Universitário e Ex-Conselheiro Estadual da OAB/PB.


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