Crônicas,contos e outros textos

PÁGINA PRINCIPAL LISTA DE TEXTOS Terezinha Pereira


COMPARTILHAR FAVORITOS ver profile do autor fazer comentário Recomende para um amigo Assinar RSS salvar item em delicious relacionar no technorati participe de nossa comunidade no orkut galeria relacionar link VerdesTrigos no YouTube fazer uma busca no VerdesTrigos Imprimir

São Miguel das Missões Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural

VerdesTrigos está hospedado no Rede2

Leia mais

 




 

Link para VerdesTrigos

Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.

Anuncie no VerdesTrigos

Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui

História de um músico do rei

por Terezinha Pereira *
publicado em 31/12/2008.

Era uma vez, há mais de duzentos anos, um menino mulatinho, neto de escravas, cujo pai era um alfaiate que pouco ganhava para o sustento da casa. De riqueza, eles tinham a paisagem do lugar onde moravam: uma praia de água muito azul a envolver morros de alturas várias por todos os lados. E não é que um dia esse menino ganha uma viola? E não é que sem ajuda de mestres, esse menino descobre os segredos dos sons que o instrumento emite ao tanger suas cordas?

Assim, à beira-mar, subindo e descendo morros, ele levava a vida a cantar e a tocar viola. Não demorou muito, uma porção de outros meninos e até gente grande quis com ele aprender a tocar. A mãe e uma tia, percebendo a queda que o menino tinha para música, quase mesmo sem tostão para o de comer, arranjaram para ele um professor de música. O mestre logo se encantou com o talento daquele garoto. Parecia-lhe um gênio, já sabia de todas as notas, emitia os mais belos sons. Mas... o defeito. Era quase negro. Descendente de escravos vindos lá da África. E pobre. Como um rapazinho assim poderia entrar nas igrejas para tocar e cantar? Sabe-se que, naquele tempo, os grandes músicos apresentavam seus melhores sons nas igrejas, em louvor a Deus.

Conhecedor do talento do moço, o mestre continuou insistindo com seus estudos. Arranjou-lhe um professor de latim, outro de filosofia_ alguns padres que não consideravam demais os defeitos de cor, de falta de riquezas. O jovem virou gente grande e, a cada dia, mais afinava as suas qualidades musicais. Então, já compunha músicas que agradavam a todos daquele lugar embelezado de mar e montanhas de pedra ou cobertas de verde. Porém, ciente de que seu pupilo, por ser pobre, neto de escravos, não alcançaria o reconhecimento merecido, o mestre se reuniu com a família dele. Precisavam dar uma oportunidade para que ele fosse reconhecido. Juntos decidiram que ele entraria para o seminário. Seria padre. Padre, sim! Se ele nunca pensara nisso. Ah! Era um jeito de ele poder, quem sabe, um dia, mostrar a todos o seu talento.

Em pouco tempo, ele se tornou o grande músico de uma igreja. Mas, mulato e pobre? Mesmo sendo padre, segundo vozes dos que prezavam os de pele clara e de linhagem nobre, aquele músico tão habilidoso poderia se apresentar nos mais nobres ofícios. Tais vozes chegaram aos ouvidos do bispo. E o bispo, ah, o bispo! Gentilmente, ele o convidou para dar aulas para homens que tinham o mesmo problema de cor, numa fazenda de sua propriedade.

Pouco tempo depois, o bispo e toda a sua irmandade foram mandados para outras terras. Como eram outros os mandadores, o padre músico, pobre e quase negro, foi convidado para dar aulas no conservatório. Tornara-se um grande mestre no piano. Regia corais de muitas vozes e instrumentos variados. Escrevia as mais complicadas peças, as que produziam as mais belas músicas.

Nesse tempo, vindos de além-mar, mudou-se para aquele lugar, rei, rainha, príncipes, princesas _ família inteira _ e mais o povo que vivia a seu redor para lhes servir do bom e do melhor. Diziam que vieram fugidos de um exército de inimigos, o qual queria lhes tomar o reino. Com a chegada de gente de tão grande nobreza, aquele lugar ficou em alvoroço. Os moradores, querendo ou sem nenhum querer, faziam de tudo para caírem no agrado do rei , da rainha e de sua corte. Em homenagem ao rei, e sua família, preparam uma grandiosa cerimônia na mais bela igreja do local. Que fosse acompanhada de boa música. As vozes! Vozes diziam que o rei apreciava música sacra harmoniosa, exibida com suntuosidade, a revelar grandes artistas.

Dizem que o rei de além-mar deleitara-se com os acordes emitidos pelo padre mulato. E pobre. Até mesmo havia se esquecido do famoso músico que sempre o servira além-mar e que não viera ainda para viver em sua companhia.

No entanto, como se sabe, mexericos é que nunca faltaram nesses lugares onde vivem reis, rainhas, gente poderosa e pessoas que gostariam de ser. Em pouco tempo, a rainha, quem sabe enciumada, pois seu marido gordo e bonachão estava sempre a ouvir as músicas do padre mulato e pobre, exigiu a presença do artista no palácio. Tivera a idéia de lhe fazer um desafio. Haveria de ser no dia seguinte mesmo. Ela estava ansiosa para ouvir-lhe dedilhar um piano. E ele, como poderia negar-se a uma palavra da mulher do rei?

À hora marcada, chegou o padre ao palácio. Nessa época, o músico de além-mar, o tal preferido do rei, já havia vindo para no palácio morar. A rainha, logo após os solenes cumprimentos ao padre mulato e pobre, solicitou ao músico de além-mar uma peça de autoria de um dos mais famosos músicos que ora se apresentavam por lá, a maior novidade do momento. O padre, sobressaltado, desenrolou e partitura e, quase sem voz, murmurou:

_ Vossa Alteza, nunca toquei esta sonata!

_ Mas, dizem que o senhor tira música como quem lê letra redonda... Sente-se, sente-se ao piano.

O artista obedeceu. Pois... Ordem de rainha. Dizem que, com timidez, o padre fez soar os primeiros acordes. Porém, a tecla do piano, linhas e códigos de partitura há muito lhe eram familiares. Em segundos, entregou-se de corpo e alma à tarefa que lhe exigiam. Em silêncio, boquiabertos, os ouvintes se viram arrebatados no turbilhão de sons da maviosa sonata. E, a rainha e o músico que lhe prepararam uma peça, oferecendo-lhe aquela peça não ensaiada para tocar, no final da audição, estavam pálidos, sem voz.

Histórias de reis, rainhas, príncipes e princesas e de alguns servos e populares que se cruzam ao acaso, costumam ter final feliz. Porém, o tempo feliz do padre músico durou enquanto o rei de além-mar por ali ficou. Nesse tempo, fora ele o músico do rei. E, por essa razão, durante esse reinado, aquele lugar à beira-mar tornara-se o cenário musical mais famoso de todos do lado de cá. Chegada a hora, quando souberam que o exército inimigo não mais ameaçava a corte, rei, rainha e familiares retornaram ao lugar de origem.

Pobre, mulato, mesmo padre amigo do rei, o qual já não mais por ali reinava, o grande músico envelheceu sem ver o fruto de seu trabalho. Morreu pobre, sem vintém. Seu grande legado ficou para nossos ouvidos. A História registra que ele deixou escrita a maior coletânea de peças, cerca de 240. Beleza pura, que permite fazer soar os mais belos e harmoniosos acordes. Segundo os musicistas, seus trabalhos assemelham-se aos dos mais famosos artistas de além-mar, até mesmo com as composições de Mozart. Há comentários de que outras 200 partituras se encontram desaparecidas. Perdidas?! Desviadas?!! Sei não. Certo é que sua história foi recuperada e sua grandeza de gênio da música, nos dias de hoje, é reconhecida e venerada tanto na parte de cá como do outro lado do mar.

(Inspirado no artigo de R. Mendes Ribeiro, "Um músico de D. João VI", publicado em 22/01/1922, na revista "Illustração Brasileira", órgão oficial comemorativo aos 100 anos de Independência do Brasil. Nesse artigo, Mendes Ribeiro fala da vida e obra do Pe. José Maurício Nunes Garcia, nascido no Rio de Janeiro em 22/09/1767 e falecido em 18/04/1830. A citada revista faz parte do acervo da Fundação Biblioteca Nacional- FBN.)

Sobre o Autor

Terezinha Pereira: Terezinha Pereira é romancista, contista, cronista, graduada em Letras, membro da Academia de Letras de Pará de Minas

Publicações:
_ "Em confidência", romance publicado pela Mazza Editora, Belo Horizonte, 2000, premiado em concursos literários realizados no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais;
_ "Uma pianista numa noite branca..." , Caderno Literário de contos, 2004, pela Academia de Letras de Pará de Minas em parceria com o Jornal Diário;
_ Contos, na "Revista da Academia Mineira de Letras" (4 revistas);
_ Artigo, projeto de estudo do livro "Dom Quixote" para alunos de 8ª série do Ensino Fundamental, publicado na revista "Presença Pedagógica", de setembro/2005;
_ JB Online, Café Literário: Colunista da Semana, 23 a 29/11/2005.

< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>

LEIA MAIS


Descanse em Paz?, por Mário Sérgio Cortella.

Desejo, por Maria Valéria Rezende.

Últimos post´s no Blog Verdes Trigos


Busca no VerdesTrigos