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Passarinho verde

por Noga Lubicz Sklar *
publicado em 26/09/2008.

Tá certo que o paraíso em Itaipava fica um pouquinho mais cinza com a chuva jorrando e o trovão derrubando a quietude usual da janela pra fora... e a adega vazia e a luz apagada e a tevê desligada e o carro batido, aguardando faz tempo o fiscal do seguro, mas não é por nada disso que estou na verdade meio triste. Eu poderia, aliás, prosseguir em meu plano original para esta crônica e aborrecer vocês com os vários plausíveis motivos pelos quais acordei deprimida esta manhã, assaltada pelas mesmas inúteis dúvidas de sempre sobre a (des)importância do amor, a promessa pendente da morte, e mais, a bastante duvidosa carreira de escritor, o papel dispensável da literatura na vida de cada um e o constante descompasso entre tempo, dinheiro e produção, aliás, dinheiro? Pra quê? E enquanto a penhora e a demora rolam soltas lá fora, é preciso ressaltar: embora hoje em dia isto soe senil, há muito mais coisa importante na vida além do dinheiro roubado, ou acumulado, sempre houve, e no entanto, grande parte deste todo abrangente também se aprofunda na crise sistêmica ocidental e o negócio como sempre é esperar passar, mas não, gente. Não é por nada disso que acordei deprimida esta manhã.

Agora. O que acabei percebendo no final das contas foi que embora não me faltem motivos de alguma tristeza nesta manhã de chuva, o que me aperta na verdade o peito não é nenhum deles, mas o fim temporário (ou não) das inúmeras pendências dos últimos tempos, ruidosas presenças, das necessárias providências, da pressa que insiste em chegar bem depressa a algum outro lugar, ou sair de uma vez de lá, ou a neura urbana de antecipar tudo aquilo que um dia, é certo, há de passar por si... este dia é hoje e o que importa mesmo é que estou aqui, que sobrevivi, que encontrei não quem sabe a voz, que o meu negócio é mais texto, mas a prática seqüência diária de um jeito voraz que é muito particularmente meu e de ninguém mais depende. Só mesmo de mim, do que é meu, do que em mim aproveita o que é de feito e de direito, porque o fato é que ao sair caminhando entre nuvens e gotas esparsas na cota do guarda-chuva verde, catando imagens bem-feitas no falo ereto emergente dos cactus, nos papagaios ruidosos cruzando a manhã de galho em galho, no joão-de-barro em seu ninho perfeitinho encaixado no alto da araucária local, com a certeza de que aqui na Serra a primavera chegou e com chuva ou com sol é um fato consumado, fiquei assim, poética, ritmada e boba, entendi que a depressão é coisa de ansiedade grande, o que não é mais o meu caso. E o que, no meu caso, me cede o direito de concentrar-me o quanto eu quiser na minha voz que é única, como a de todos nós, aliás, basta parar pra se ouvir. E ah, sim, alivia em suspiro afolegado a aguda autocrítica, pois cronista, vocês sabem, nem é na verdade escritor, e no frigir dos novos é a chuva lá fora que inspira a poesia. A tudo que é resto, o silêncio.

Sobre o Autor

Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.

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