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Suicide bummer

por Noga Lubicz Sklar *
publicado em 12/06/2008.

Não sei se é cansaço crônico. Não sei se é ressaca pós-livro. Não sei se é psoríase, vitiligo, recaída de tireoidite ou ansiedade judicial em primeira instância. Não sei se é medo de um fracasso futuro, e olhem, justamente quando tudo ia bem. Ou ameaçava ir, vocês sabem, aquelas coisas íntimas que a gente não conta, por puro medo de que desandem: por mais que um ateísmo ativista se instale, ninguém está livre de uma superstição ou outra, ou melhor, talvez: um ativismo ateísta. No fundo no fundo, não há salvação possível para o incômodo reincidente da vida, se é que vocês me entendem. E por falta de opções espero, dormindo muito (talvez quem sabe esse sono passe): sonhe sem anjos, mas nem sei bem o quê. Que o assovio no ouvido volte a ser uma voz, quem sabe, carente de fama desde a infância.

Não é que eu não tenha assunto, vocês sabem. Falta de assunto pra crônica é um clichê proibido aqui no blog, paraíso confesso dos piores e mais banais clichês da literatura. A questão é que estou mesmo me sentindo aérea, desligada, a um passo de desistir de tudo, imaginem, logo agora que ia tudo tão bem ou, pelo menos, ameaçava ir. É o efeito danoso da baixa pressão por medição caseira, gente, só pode, vocês me conhecem. Ou não: talvez desconheçam por dentro de mim essa impiedosa hipocondríaca enrustida, com meias tendências autoconvulsivas e agravada, ainda por cima, por doses de medicina televisiva - pois é, que todo dia se vangloria, imaginem, de sua eterna saúde perfeita (paradoxo auto-indulgente) enquanto desmaia de medo da verdade. Da saúde de verdade, quero dizer. Ou então meu problema é fome.

No final, seu grito sem ressonâncias imediatas produziu cansaço, resentimento e morte em estado de solidão", ai, não, Deus me livre, prevê, dolorosa e retrospectivamente, o deprimente artigo do Prosa: Deus me livre de uma coletânea póstuma dessas. Se eu não publicar em vida, por favor: me queimem, antes que eu arda sem querer em indefesa mesmice. Deus me livre de banalidade póstuma, vamos combinar: além de deprimente, é péssima literatura. Ai, gente. Não liguem pra mim que eu estou, nesta altura, no pico de baixo da curva do entusiasmo - a voz interna, eu já disse (metáfora ou não?), encolheu no assovio. Liberta da pressão de prazo e de todas as outras pressões [sangüíneas], me esvaio: desvio do inesperado, da expectativa amainada por data limite adiada.

Já deu pra entender que eu também sou auto-imune, não é? Pois é: defendida de mim, mas vulnerável à beça a um auto-ataque de mim, gostei dessa, bem, pelo menos do trocadilho do título que, não sei porque - e para o azar de quem nunca me lê -, nasceu em inglês, ou melhor, de uma frase em inglês que eu li, na resenha conivente de hoje no NY Times: "All autoimmune diseases invoke the metaphor of suicide," she writes. "The body destroys itself from the inside." ["Toda doença auto-imune invoca a metáfora do suicídio", ela escreve - Sarah Manguso, poeta auto-imune em suas bem humoradas memórias de doença. "O corpo destrói a si próprio a partir de dentro."]. Me viro mal no português: conformista suicida, preguiçoso suicida, suicídio interno vagabundo, taí, por falta de vítima melhor para seu preguiçoso e conformado alcance, sobreviva-se a uma histeria mal-ajambrada dessas, logo agora que vai tudo tão bem, ou com sorte começava a ir... Tento escapar mas o destino me agarra, e se em reta final me desapego de tudo, meu destino é que afinal me escapa: nada assim de tão grave que uma greve do espírito não cure. Ah, esqueçam. É tudo neurose mesmo. Ou medo. Deixa rolar que amanheço curada. Ou se Deus quiser, publicada.

Sobre o Autor

Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.

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