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Graciliano Ramos e o Partido Comunista Brasileiro
por Ângelo Caio Mendes Correa Jr.
*
publicado em 12/04/2008.
As diversas células do PCB passaram a organizar, na década de 30, cursos, círculos de estudos e debates literários, cujos temas iam da teoria literária às obras de seus contemporâneos, como Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz, dentre tantos outros.
Nos anos 40 teremos, todavia, as primeiras cisões entre o PCB e alguns de seus intelectuais militantes, sobretudo por não concordarem com as concepções do realismo socialista, cujo teórico era Zdanov, incumbido por Stálin de "por ordem nas fileiras dos ideólogos e castigar os desgarrados".
A obra do autor de Vidas Secas mostra-nos que ele soube, embora militante do PCB, resistir como poucos às tentações fáceis do realismo socialista. É Clara Ramos quem observa em Cadeia que "o realismo socialista não contaminou a obra de Graciliano Ramos" e que ela "prosseguiu livre das ingerências extra-literárias, a transcender, inclusive a visão política e social do autor." Completa afirmando que "o humano, a angústia do homem defrontado com sua própria ontologia: a tragédia do ser primitivo destituído de sua humanidade, num corpo a corpo desesperado com as fúrias cósmicas de uma condenação mítica: o bem e o mal, irrompendo no copo d´água recebido na cadeia ou no cano de um revólver às costas, são valores que a leitura social não consegue abarcar na obra graciliânica."
Estudiosos da vida e da obra de Graciliano, como Clara Ramos, Ricardo Ramos, Nelson Werneck Sodré e Dênis de Moraes são unânimes em afirmar que no PCB o escritor foi um militante disciplinado, por mais que isso lhe custasse alguns conflitos de ordem interior. Contudo, no âmbito familiar e dos amigos mais próximos, constantemente o autor de S.Bernardo fazia desabafos com relação aos dirigentes partidários. Certa vez, indignado com a exaltação que alguns companheiros faziam do ideólogo do realismo socialista,explodiu: "Esse Zdanov é um cavalo!" No PCB, conforme depoimento de Ricardo Ramos em Graciliano retrato fragmentado, costumavam enxergá-lo burguês e elitista.
Quando começou escrever Memórias do Cárcere, os atritos com o PCB passaram a ser cada vez mais constantes, pois seus dirigentes queriam fazer uma leitura prévia dos capítulos, conforme Graciliano os fosse escrevendo, a fim de sugerir eventuais alterações que julgassem oportunas. O fato é que o conteúdo das Memórias incomodava a vários dirigentes comunistas, uma vez que alguns de seus destacados líderes nelas apareciam sem nenhuma aura mítica, como tanto gostavam de imprimir.
Morto Graciliano, a cúpula do PCB tentará, sem êxito, censurar os manuscritos deixados com a família e o editor José Olympio. A conseqüência será uma dura conversa entre Ricardo Ramos e Astrojildo Pereira.
Publicadas as Memórias do Cárcere, os dirigentes comunistas nenhuma palavra emitiram publicamente. Entretanto, alguns de seus membros mais exaltados chegaram ao extremo de dizer que a obra não passava de mero "elogio da polícia e da pederastia", conforme nos diz Ricardo Ramos.
Graças a seu caráter pautado antes de tudo pela coerência, avesso às soluções baratas de proselitismo político, Graciliano Ramos quis apenas revelar em suas Memórias do Cárcere a dolorosa experiência de cerceamento de liberdades do estado Novo, da qual foi vítima, sem dar dimensão maior ou menor do que devida àqueles que com ele compartilharam da prisão. Nas justas palavras de José Carlos Garbuglio, o que sempre buscou e disso sua obra é testemunha, foi "o exame do homem fora das classificações fornecidas". E eis porque figura como um dos maiores nomes de nossa história literária.
Sobre o Autor
Ângelo Caio Mendes Correa Jr.: Ângelo Caio Mendes Correa Jr. é professor e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo. Bibliófilo e articulista, tem vários ensaios sobre livros e escritores já publicados em vários jornais e sites do país. Reside em São Paulo.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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