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Chico Lopes termina terceiro livro de contos e fala de desertos e esperanças
por .::. Verdes Trigos Cultural .::.
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publicado em 06/09/2007.
V.T: Esse teu novo livro de ficção vem depois de "Jogos furtivos", livro de duas novelas que, segundo nos disse, não foi publicado. Quando você terminou "Jogos furtivos", deu uma entrevista aqui também...
Chico Lopes: É verdade. Incursionei pelo gênero novela para variar um pouco, escrevi duas, gosto muito delas, mas meu gostar não encontrou eco entre editores. Creio que o formato não foi compreendido, mas nem por isso abro mão. Eu jamais desisto de qualquer coisa que escreva, porque já descobri o óbvio: que o editor, por fino que seja, ou o mercado, por mais aberto que se queira aparentar, possui razões que não são a do escritor. Como criadores, temos caminhos que só de vez em quando se ajustam ao que eles querem ou esperam. Tanto que escrever é uma coisa muito diferente, um reino oposto ao do publicar. Jorge Luis Borges dizia, referindo-se à poeta Emily Dickinson, que "uma vida literária não é necessariamente uma vida de livros publicados".
Escrever é um deleite, justifica a nossa vida - publicar é um suplício, a chatice que se conhece, a procura de conciliação entre escrita pessoal e mercado que tanto nos atormenta. Eu tenho muitos livros inéditos, de poesia, ensaio, prosa poética, que jamais foram publicados. Nunca deixei de considerá-los mais que prontos. Sem publicá-los, venho aprimorando-os indefinidamente. Na verdade, sou dono de uma obra, só que o resto do mundo não sabe disso. É talvez uma vantagem, ainda que eu o diga com humor negro. Nós, escritores, só temos esta vantagem - a de depurar nossas criações incompreendidas. Elas ficam valendo cada vez para si mesmas, sem que o mundo se dê conta disso.
V.T : Como é que se deve enfrentar esse problema? Com esperança? Com paciência?
Chico Lopes: Acho que sim, com esperança, paciência, com um grande humor, ainda que meio sinistro, temperado com todo o estoicismo possível. É um deserto, como diz uma amiga escritora, e os oásis são, por definição, escassos.
Mas, ainda a respeito de meu livro de duas novelas, aconteceu uma coisa engraçada. Mandei-o a uma editora nova, recomendado por amigos, e fiquei à espera, como sempre. A resposta, também como sempre, demorou muito. Quando veio, dizia que minhas narrativas eram muito bem escritas, mas que meu livro não era...suficientemente "transgressivo".Quer dizer: fui lido por algum sujeito modernoso e vazio, desses que só entendem as coisas pela superfície estilística. Contei a história para um Papa da Transgressão, Nelson de Oliveira, que é meu amigo e escreveu a orelha do meu livro "Dobras da noite" e colocou um conto meu na antologia "Cenas da favela". A gente riu muito da besteira que o cara disse. E, pra se ter uma idéia, conheci depois um bom escritor que tinha mandado para essa mesma editora um original seu e recebido esta resposta: "Não é suficientemente comercial..." Dá para entender a cabeça dessa gente? É melhor nem tentar.
V.T : E como é que se continua, nesses casos? Contando só com um pequeno círculo de leitores, entre amigos e outros escritores?
Chico Lopes: É bem isso. Amigos que gostam de literatura, escritores novos ou menos conhecidos, que vivem em lugares distantes do famoso eixo Rio-SP ou que, mesmo estando no eixo, mostram alguma afinidade com a gente etc. A Internet nos permite, hoje em dia, um grande número de leitores em lugares os mais distantes - tenho recebido e-mails e comentários pelos meus artigos aqui no VerdesTrigos de toda parte, gente surpreendente, com idéias generosas. Sobrevivemos assim, psiquicamente - do apoio ilimitado de gente que, mesmo não tendo poder de decidir quanto a publicações, tem a considerável virtude de continuar acreditando no poder da arte literária, da beleza da palavra, e de não sucumbir à desolação que é ser escritor num país inculto. E, depois, quando se consegue - ufa! - publicar um livro, descobre-se o óbvio - que nada era assim tão simples, que a luta foi apenas momentaneamente vencida, outros obstáculos - enormes - se impõe: a distribuição, a divulgação, os raros leitores, a incompreensão. Descobre-se que se colocou no Deserto um objeto que interessa a poucos sedentos. A massa está sedenta é de outras coisas, bem mais imediatas e rasas. A luta não termina nunca. Por isso, o prazer de escrever tem que ser colocado acima de tudo. É tudo que temos.
V.T : Você seguiu a mesma linha dos teus livros anteriores, "Nó de sombras" e "Dobras da noite", nesse novo livro de contos? Que é que ele traz?
Chico Lopes: Só posso ser eu mesmo, aprimorar certa linha. Meu caso é de uma canina e profunda fidelidade a certa forma de escrever, certos temas, certas coisas que são maiores que minha decisão consciente. Acredito muito no que Dostoievski falou, que não possuímos o tema, o tema é que nos possui. Meu livro traz onze narrativas, e outra vez são casos de desespero, fúria, sarcasmo, amores malogrados, solidão, mas dessa vez, creio, com um aspecto novo: algumas esperanças são apontadas. Creio que alguns de meus personagens passaram a vislumbrar certas formas de redenção. Não redenções convencionais, longe disso - a lógica dos postulados não permitiria. Eles estão sempre em luta contra o conformismo, a estupidez, o preconceito. E, se perdem, são, ainda assim, perdedores muito superiores a seus inimigos. É uma luta pela supremacia da poesia num mundo utilitário e cruel. Sou adepto de incomodar, de apostar no desconforto, para tentar acordar o leitor. Livros bem feitinhos e inócuos não me interessam. Se estou certo ou errado, é um pouco tarde demais para ser de outro jeito...
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