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“Cidade do silêncio”

por Terezinha Pereira *
publicado em 05/08/2007.

No norte do México, estado de Chihuahua, fronteira com o Texas, nos Estados Unidos, há um lugar de nome “Cidade Juarez”. É uma cidade com cerca de 1.300.000 habitantes, cuja economia gira em torno de indústrias montadoras de equipamentos eletrônicos destinados a exportação, onde a maioria de trabalhadores são mulheres. Essas operárias são remuneradas com baixos salários, com eles sustentam suas famílias e tentam fugir da pobreza absoluta enfrentando um regime de trabalho de quase escravidão. Seria um lugar semelhante a muitos outros lugares sabidos do mundo onde mulheres ainda são subestimadas em relação a sua força de trabalho. Não fosse um porém. Cidade Juarez é uma cidade sob ameaça para sua população feminina, que vem sendo cruelmente aniquilada desde 1993. Segundo dados da Anistia Internacional, organização que promove a defesa dos direitos humanos em todo o mundo, de 1993 a 2006, 398 mulheres de Juarez foram assassinadas.A maioria dos casos de morte ou desaparecimento ocorreu quando as mulheres estavam indo ou voltando de seus trabalhos nas fábricas. Segundo informações não oficiais, há cerca de 600 mulheres desaparecidas em Juarez.

Para nos deixar ainda mais indignados, há o fato de que todos os cadáveres de mulheres que foram encontrados revelam que foram elas foram vítimas de violências sexuais, mutiladas e desfiguradas e todas elas foram estranguladas, sendo que nem todas puderam ser identificadas. Pior. Ficaram desaparecidas por um dia e até semanas, até que o corpo fosse encontrado e, segundo exames, a maioria das mortes ocorreu dias após o desaparecimento, o que significa que passaram por momentos de tortura, de orgias sexuais e outros padecimentos.

Quando tomamos conhecimento de um fato dessa natureza, tão recente na história mundial, logo queremos saber se esses assassinatos foram investigados, se encontraram os culpados. Sabe-se que predomina um grande silêncio na Cidade Juarez. Prevalece o medo. Quando foram encontrados os primeiros corpos, muitos deles irreconhecíveis, fizeram uma investigação, um homem de origem egípcia foi acusado e condenado a 30 anos de prisão. No entanto, há indícios de que existem falhas no processo de julgamento dele, que sempre se disse inocente. Além disso, as mortes, ao invés de acabarem após a prisão do acusado, aumentaram.

Segundo um criminologista, pelo menos 60 assassinatos ocorridos de 1993 a 1999, foram executados seguindo um padrão semelhante, por 2 matadores, da espécie de “serial killer”. (Uma vítima escapou, após ser raptada, torturada e abusada por dois homens, por ter sido tida como morta, após enforcada por um deles.) Mas, e os outros casos? _ indagam pessoas ligadas a Anistia Internacional. Os matadores cometem crimes por desejo de imitação? Por que razão os corpos são mutilados, desfigurados? Qual a razão de tanto sadismo, tanta brutalidade? Seriam rituais satânicos? Em troca de quê? Os assassinos seriam vendedores de órgãos? O que se tem como resposta mostra-se mais tenebroso........

Diversos depoimentos sigilosos apontam que os policiais do estado de Chihuahua ameaçam a população, têm ligação com alguma máfia de traficantes de drogas, de jóias ou de contrabandistas ou com falsos proprietários de montadoras de eletrônicos ou casas noturnas, com negócios de fachada. Enfim, tudo de mais podre que se pode imaginar entre seres (que deveriam ser) humanos. Sabe-se que jornalistas, advogados, juízes, pessoas que tentaram investigar sobre os homicídios de mulheres receberam ameaças de morte com a finalidade de desistirem de levar adiante a tarefa. Alguns foram assassinados. Sabe-se também que diversos grandes empresários financiaram matadores de aluguel para raptar mulheres, para que eles pudessem usá-las em orgias sexuais e depois serem mortas. O governo e a polícia coagem a imprensa que não denuncia esses horrores para o mundo e o povo da cidade, temeroso, cala-se.

Há uns 3 anos, um diretor de cinema americano, Gregory Nava, conhecedor dos casos ocorridos em Juarez, resolveu fazer um filme com a intenção de denunciar o fato ao mundo. Convenceu a cantora e atriz Jennifer Lopez a participar da produção e também como atriz, convenceu também o Antonio Banderas. Outros atores mexicanos e espanhóis e a brasileira Sônia Braga também foram convidados a participar da gravação.Antes mesmo de ser realizado, o filme começou a incomodar. Muitas barreiras foram postas durante as filmagens, equipamentos foram destruídos e a equipe teve de trabalhar com proteção de seguranças. Lopez e Banderas não puderam filmar cenas em Cidade Juarez, devido a diversas ameaças.

Apesar da presença de Antonio Banderas e Jennifer Lopez no filme, o mesmo não conseguiu fazer grande sucesso, após seu lançamento mundial no Festival de Berlim, com o nome “Bordertown”. Suspeita-se de bloqueios na rede de distribuição. No Brasil, o filme foi lançado recentemente em DVD, com o título “Cidade do Silêncio”.

Ontem vi esse filme, que não é uma grande produção, nem apresenta grandes interpretações, mas traz a informação “este filme foi baseado em fatos reais acontecidos em Cidade Juarez, no México”. Fatos reais?........ Recentemente centenas de mulheres foram raptadas no caminho do trabalho, cerca de 400 foram encontradas mortas, mutiladas, deformadas e não há reais culpados no caso. Dezenas de corpos foram localizadas em lugares desertos, em covas coletivas. Justificativas como “violência doméstica, criminalidade, uso de drogas, mulheres que caminhavam por lugares ermos” são dadas quando identificam corpos. São fatos tão duros para serem reais que me levaram a pesquisar, torcendo para que fossem fictícios, coisa de cinema....... Acontece que os fatos são mesmo reais. O leitor pôde saber deles um pouco, no início deste artigo. O mais triste. O cinema não chegou a mostrar o quão reais eles são.

Cidade do Silêncio (Bordertown) está aí para falar de enormes interesses econômicos em jogo, de empresas de fachada e governos que não se interessam por crimes cometidos contra seres humanos, unicamente para que seus negócios não sejam prejudicados. Está aí também para denunciar uma total impunidade que parece estar tomando conta de governos e da justiça do mundo inteiro. Será o que podemos fazer para que tais coisas coisa não mais aconteçam?

Sobre o Autor

Terezinha Pereira: Terezinha Pereira é romancista, contista, cronista, graduada em Letras, membro da Academia de Letras de Pará de Minas

Publicações:
_ "Em confidência", romance publicado pela Mazza Editora, Belo Horizonte, 2000, premiado em concursos literários realizados no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais;
_ "Uma pianista numa noite branca..." , Caderno Literário de contos, 2004, pela Academia de Letras de Pará de Minas em parceria com o Jornal Diário;
_ Contos, na "Revista da Academia Mineira de Letras" (4 revistas);
_ Artigo, projeto de estudo do livro "Dom Quixote" para alunos de 8ª série do Ensino Fundamental, publicado na revista "Presença Pedagógica", de setembro/2005;
_ JB Online, Café Literário: Colunista da Semana, 23 a 29/11/2005.

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