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OPERAÇÃO GOIABA BICHADA

por Miguel Sanches Neto *
publicado em 03/06/2007.

Um empresário amigo meu passou por uma experiência que revela bem o modo brasileiro de ser. Homem sério, já no terceiro ou quarto casamento, ele voltou ao escritório num fim de tarde, abriu a porta e acendeu a luz.

Sobre sua mesa, nua e com a tesoura aberta, sua bela e insinuante secretária. Entre as pernas dela, também nu mas em pé, o mais novo estagiário da empresa. A secretária continuou na mesma posição, e disse:

– Não é nada disso que o senhor está pensando. Eu posso explicar tudo.

Meu amigo se virou e antes de sair, ouviu:

– O senhor poderia apagar a luz?

No dia seguinte, a secretária estava no seu posto, com roupas recatadas, tornando-se uma pessoa extremamente atenciosa e discreta. No fim do mês, o estagiário foi dispensado. E tudo não só voltou à normalidade como ficou muito melhor. Quando ela levava documentos ao chefe, sentava-se com as pernas cruzadas diante da mesa que tinha sido silenciosa testemunha do episódio. O chefe, que jamais se interessara por ela, começou a ter certos sonhos. Não sei como terminou o caso.

E outra é a história que quero contar. A de mais uma ação bem sucedida de nossa Polícia, que desmantelou novo esquema de corrupção. Fui o autor da denúncia.

– Denúncia anônima? – me perguntou um amigo.

– E eu lá sou homem de denúncias anônimas?

– Foi uma denúncia de renome, então! – ele concluiu, orgulhoso de ser amigo de um escritor mundialmente conhecido em Peabiru.

Depois de várias investigações – foram mais de dois meses de trabalho – a Polícia conseguiu quebrar o sigilo telefônico dos suspeitos. Vou transcrever parte das conversas que comprovam o envolvimento da Máfia da Goiaba Bichada – estamos numa fase de nomes muito criativos. Será que existem poetas na Polícia?

Zelão: Eu falei com ele ontem e tive lá com o Hudson. Tive com o Tico também. Tico é o coordenador do troço.

Goiabinha: Sei. E como foi?

Zelão: Certo, foi muito boa a conversa. A partir de agora eles estão com a gente.

Goiabinha: E ficou por aquilo mesmo, ou teve que acrescentar algo?

Zelão: Nada que fosse difícil de conseguir.

Goiabinha: Então começamos amanhã?

Zelão: Sim, se funcionar bem, a coisa vira definitiva.

Goiabinha: Ok.

Dias depois, há outras ligações, menos claras, mas que comprovam que o esquema foi posto em funcionamento com grande sucesso, lesando inúmeras pessoas.

Outra conversa que preciso transcrever aconteceu seis meses depois da instalação do esquema.

Zelão: Você precisava ver o cara hoje, tava todo estressado.

Goiabinha: Legal. Pra onde você levou o pacote?

Zelão: Tive que me esconder naquela sala. Chegou bem na hora, quase me deu um flagra, mas fiquei amoitado até que saísse. O bom é que pude ouvir a irritação dele.

Goiabinha: Temos que ter mais cuidado a partir de agora. Pode ter gente de campana.

Zelão: Xá comigo. Um pouco de adrenalina é bom.

Goiabinha: Não quero perder meu posto por uma bobagem.

Os corruptos falam sempre igual ao telefone, por códigos.

Mas a Polícia desmontou o esquema depois de minha denúncia.

Eu vinha encontrando algumas coisas alteradas e isso me chamou a atenção. Há anos bebo no mesmo bar, a Choperia do Tito, o melhor cardápio da região – camarão de todo jeito, casquinha de siri, bolinho de bacalhau... Uma variedade incrível. O único problema é que eles têm apenas o cardápio. Não os pratos anunciados. Para enganar os novatos, porque o dicumê mesmo é o de sempre: torresmo, queijo, lombo, amendoim, batata frita de pacote e as fabulosas empadinhas Otto, disputadíssimas.

Os donos do bar compram apenas uma dúzia por dia. E eu vinha conseguindo algumas para acompanhar meu chope. Mas, nos últimos tempos, a estufa estava sempre vazia.

– Pô, Hudson. Cadê as empadinhas?

– Vendi.

– Por que não compra mais do que doze?

– Se eu comprar mais pode sobrar alguma.

Comecei a ir mais cedo ao bar. Saía do trabalho às 10 da manhã e já não encontrava nenhuma. Como? Deixei para ir à noite – próximo do horário de fechar. Adeptos da lei de silêncio, os donos fecham o bar às 8 da noite, expulsando os últimos bebedores quando estão de mau-humor ou apenas fechando a porta com a gente dentro quando estão bem humorados. Mesmo no fim da tarde, não encontrava nenhum sinal das empadinhas. O mistério estava me deixando com os nervos abalados.

As ligações telefônicas revelaram tudo.

O empresário Zelão – nunca conversei com esse senhor, embora saiba que ele me odeia por minhas críticas à cidade – primeiro corrompeu o rapaz que tem uma banquinha de frutas na esquina do bar. Como demoro para estacionar o carro, o Goiabinha anunciava pelo celular minha chegada. Zelão, que tem uma empresa nas redondezas, saía correndo e arrematava todas as empadas, levando o pacote para a firma dele e distribuindo aos empregados. Pagava três vezes o valor das empadas para os donos do bar, para que acobertassem o ato criminoso, que privava todos os freqüentadores de uma das maiores delícias do vasto cardápio do boteco.

Depois de desvendado do caso, agentes entraram disfarçados no bar; quando Zelão chegou para limpar a estufa, foi preso.

Ao ser entrevistado pela tevê – tomei a precaução de me fazer acompanhar de jornalistas –, ele disse:

– Posso explicar tudo – as mãos estavam engorduradas por conta do pacote de empadinhas.

– Qual foi seu papel nesse esquema? – perguntou a jornalista.

Como todo corrupto, apenas declarou:

– Vou provar minha inocência.

Fonte: Gazeta do Povo, 29 de maio de 2007.

Sobre o Autor

Miguel Sanches Neto: Escritor paranaense e crítico literário, assinando coluna semanal no maior diário do Paraná, a Gazeta Povo (Curitiba), tendo publicado só neste jornal mais de 350 artigos sobre literatura, fora as contribuições para outros veículos, como República e Bravo!, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde (São Paulo) e Poesia Sempre e Jornal do Brasil (Rio de Janeiro).

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