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A nossa frágil condição humana

por Moacyr Scliar *
publicado em 09/04/2007.

O ano era 1975, época da ditadura militar. Como muitas vezes acontecia então, um jornalista foi detido: era Vladimir Herzog, diretor da TV Cultura de São Paulo.

Levado para a carceragem, no dia seguinte estava morto. Versão oficial: suicídio por enforcamento. Herzog era judeu. Na religião judaica, os suicidas não podem ser sepultados junto com outras pessoas, e sim em lugar à parte no cemitério, ao pé do muro. A decisão de onde seria enterrado era aguardada, por isso, com expectativa: ela endossaria ou não a idéia de suicídio. Herzog não foi enterrado ao pé do muro.

E quem o decidiu foi um jovem rabino recém-chegado ao Brasil, Henry Sobel. Sua corajosa posição repercutiu intensamente e deu início a uma carreira surpreendente.

Sobel logo se caracterizou como um homem do diálogo e de idéias avançadas: idéias que não deixavam de provocar controvérsia na comunidade judaica, mas que o transformaram numa figura de vanguarda em nosso país. E aí acontece algo surrealista: este homem é preso, nos EUA, roubando gravatas. Gravatas que certamente Sobel poderia comprar. Sua perturbadora conduta mostra como são complicados e imprevistos os labirintos da mente humana. Homem inteligente, sensato, Sobel não faria o absurdo que fez se estivesse naquilo que chamamos de “o seu normal”. Mas ele não estava em “seu normal”. Só com a prisão deu-se conta do que tinha feito.

Um incidente grotesco, mas também uma tragédia, atingindo uma figura importante no debate brasileiro. Com o que descobrimos, penosamente, que mesmo líderes expressivos são seres humanos, sujeitos às vaidades, às fraquezas e às doenças que acometem os seres humanos. Agora vejam a ironia: quando os imigrantes judeus chegaram ao Brasil, e particularmente a São Paulo, muitos deles tornaram-se vendedores ambulantes de gravatas.

Naquela época ninguém podia entrar num banco (sobretudo para pedir um empréstimo) sem gravata. Era um comércio modesto, mas com público certo, e foi até celebrado por Adoniram Barbosa num samba famoso: “Jacó/ o senhor me prometeu/ uma gravata…”.

A gravata era, para os vendedores, um meio de sobrevivência. Mas era também, e continua sendo, um símbolo de status. Um símbolo que, para Henry Sobel custou caro, absurdamente caro – mais caro que o obsceno preço em dólares.

Este absurdo nos remete, ainda que metaforicamente, às contradições inerentes à condição humana, e contra as quais nem a cultura, nem a sabedoria, servem como antídotos. E nos lembra a frase do escritor latino Públio Terêncio, que viveu por volta do segundo século antes de Cristo: “Sou humano, e nada do que é humano me é estranho”.

Sobre o Autor

Moacyr Scliar: Nasceu em Porto Alegre, em 1937. É formado em medicina, profissão que exerce até hoje. Autor de uma vasta obra que abrange conto, romance, literatura juvenil, crônica e ensaio, recebeu numerosos prêmios, como o Jabuti (1988 e 1993), o APCA (1989) e o Casa de las Americas (1989). Já teve textos traduzidos para doze idiomas. Várias de suas obras foram adaptadas para o cinema, a televisão e o teatro.

O centauro no jardim, A majestade do Xingu, A mulher que escreveu a Bíblia e Contos reunidos são alguns dos livros marcantes de sua vasta obra literária, que soma hoje mais de 70 títulos publicados. Entre os recentes, destacam-se o romance Na noite do ventre, o diamante e o juvenil Um menino chamado Moisés, uma reconstituição imaginária da infância do famoso personagem bíblico.

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