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EFEMÉRIDES E HECATOMBES

por Paulo da Mata-Machado Júnior *
publicado em 09/09/2006.

A meu pai, falecido há exatos 31 anos.


A chuva parou. O beija-flor rapidamente cruza o espaço da varanda, entre uma e outra touceira de helicônias. Pousado à beira das flores, sorve ávido a água acumulada nas brácteas. Imagino um néctar, fico curioso e resolvo conferir: qual nada! Provei uma colherinha, só uma água suja, com gosto de terra. Vai ver, é remédio de passarinho.
No alto do abacateiro Sr. e Srª João-de-Barro saem de casa e, fincados no galho em frente, agitam freneticamente as asas, soltando gritos estridentes; a marca registrada da família furnaríida.

Nuvens se acumulam de novo, o céu fica mais uma vez pesado. Ao longe um sabiá invisível começa seu canto lastimoso e repetitivo. Aos poucos vai se tornando monótono. João e Joana a seu turno, recomeçam seus gritos estridentes. Vou olhar o que tanto incomoda os Barro. De passagem, colho uma pitanga precoce, a única, por enquanto, em promessa de incontáveis milhares. Vermelhinha e ácida. Piso em fenecidas flores: ontem pela manhã indescritível buquê e àtarde um tapete imaculado que branquejava a grama ao redor do pé de ipê. Na casa dos passarinhos, nem sinal deles. Pela agitação que são presas, entretanto, imagino existirem filhotes no interior indevassável.

Retorno. Pablo Casals demonstra como um violoncelo é capaz de transcender. Será que Bach era feito da mesma substância? Que o resto de nós, digo. Ele, humano. Nós, o quê? Imagino não cem, mas incontável multidão de bovinos, diariamente para lá e para cá. De quatro em quatro anos digitamos alguns algarismos em um terminal, apertamos uma tecla verde (esperança?), recebemos de volta um "título", e um outro papelzinho impresso - "recibo" - e aí retornamos à rotina diária.

Todos aqueles franceses enciclopédicos escrevendo, escrevendo. Depois veio o Século XIX e foi a Civilização Cristã Ocidental treinando garras e dentes. Globalização. Milhões e milhões de africanos e asiáticos, viram? assim a luz. A luz! Os cadáveres estão racional e cartesianamente iluminados? Deo Gratia!

O inimaginável progresso que alcançamos nos dois últimos séculos, todas aquelas bombas, bombinhas e bombões, a escala maior dos genocídios cotidianos nos fizeram entender melhor as coisas, e a razão última da nossa existência terrena: o Mercado, claro.

Os passarinhos sumiram de repente. Será que foram votar? Organizações sociais complexas e sofisticadas, como a humana, detêm tal apanágio. Grupos toscos (e na maior parte das vezes nem isso) de animais inferiores sóconseguem mesmo executar as funções básicas, insignificantes: comer, defecar, dormir, acasalar, e alguns, cantar. Como Bach.

Fui andando até a amoreira, refletindo na sorte e felicidade ímpar do homo sum: humani nihil a me alienum puto. Pensava nisso e comia deliciosos frutos. Sem nenhum aviso, um pássaro escondido lá no alto fez um enorme cocô na minha cabeça. Comecei então a compreender.  

Brasília, 2 de setembro de 2006.
Paulo da Mata-Machado Jr.

Sobre o Autor

Paulo da Mata-Machado Júnior: Sou mineiro do Rio de Janeiro, das vizinhanças da Praça da Bandeira, rua Mariz e Barros, ao lado do Instituto de Educação, cheio de meninas vestidas de azul e branco / trazendo um sorriso franco / no rostinho encantador: Hospital Gaffrée-Guinle, dezembro de 1942. Antes dos cinco anos virei ilhota, naquele paraíso tropical que era a Ilha do Governador dos anos quarenta: pescava, nadava, andava de bicicleta e nas horas vagas freqüentava com muita má vontade as aulas da escola 5-13 Rotary. E as matinês do Cine Miramar, religiosidade dominical.

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