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O pássaro fugidio do conto nas mãos de Maria Valéria Rezende

por Chico Lopes *
publicado em 05/08/2006.

Conto - que ninguém se engane - é passarinho fugidio, de belo canto, plumagem ofuscante e aprisionamento muito incerto. Por isso, por gostar de pássaros, por gostar do gênero e praticá-lo, já fui amando de cara o novo livro de Maria Valéria Rezende (editora Objetiva, 135 páginas, lançamento na Flip), que tem como título "Modo de apanhar pássaros à mão", metáfora mais que apropriada.

Maria Valéria vem de um romance, grande, denso, telúrico, "O vôo da guará vermelha", que saiu também pela Objetiva e lhe deu relevo nacional, nos últimos anos. Quem começar a ler a escritora por ele, poderá não ter idéia do que Valéria tem a dizer como contista. Pensa-se que o casal de amantes muito vivo e brasileiríssimo, com tantas histórias, de "O vôo...", seria mais adequado para o fôlego de narradora de Valéria. Mas, fazendo parte de um Clube do Conto da Paraíba e sendo apaixonada pelo gênero, ela tinha o que dizer como contista sim senhor. E esses contos são, em maior parte, anteriores ao romance, embora publicados depois, por razões editoriais.

Comecemos pela capa do "Modo de apanhar pássaros...", de Silvana Mattievich, que é muito bonita. Lá, a foto de uma bicicleta (título de um dos contos que o leitor encontrará no interior) aparece parcialmente, negra sobre um fundo de tábuas alaranjadas, e uma mão em colagem se estende. Mão para apanhar passarinho lá na contracapa. Lá, eles voam pelo alto e um deles, compassivamente, decidiu aterrisar naquela mão. Um texto ali no meio nos diz que "a cadência deste livro envolve, desarma, e então nos golpeia com uma delicadeza fulminante."

A HARPA E O ELEVADOR

É bom esquecer um pouco o que se pensa saber sobre Valéria, a partir do "Vôo da guará..." e mergulhar nesses contos como num universo rico e imprevisível onde haverá um pouco de tudo. Mas, graças aos céus, Valéria está mais interessada em erguer catedrais que bordéis e latrinas. A sua literatura não traz o habitual despejo confessional de bobagens, intimidades pueris e feminilidades viscerais, tramadas de qualquer jeito, que fazem a delícia de certos leitores e críticos apressados hoje em dia. Valéria tem maturidade e abole o confessionalismo vulgar, como todo criador verdadeiro: o apetite do escritor maduro é sempre mais pelo Outro que pelo umbigo. E Valéria é de fato uma escritora delicada, que preza o "humour" e nunca apela para genitálias e amores narcisistas fracassados. Não diria que sua delicadeza fulmina, na frase infeliz da contracapa. Porque delicadeza não é para fulminar, mas para envolver, para deliciar, para levar o leitor para cantos originais e obscuros de um registro sensível do mundo.

O "humour"de Valéria vem em meio a dramas que retratam bem a cara perversa do Brasil, que tanto odiamos e Valéria conhece melhor que muita gente, com todo o seu trabalho voluntário nesses anos todos. "Dilema", o primeiro conto, é uma ótima escolha para abertura, porque o dilema, envolvendo duas mulheres, uma madura e uma velhinha, traz dona Romana, personagem adorável. Melhor não contar o que acontece com essas duas, mas a ironia toda tem a ver com a literatura, já que a mais jovem é uma escritora ambiciosa, mas sem sucesso.

Destaco também, para meu gosto (que não quero impor a ninguém), a beleza evocativa de "Lamento para harpa e tuba", em que a fina graça de Valéria se revela com mais clareza, porque ela me pareceu sempre mais completa quando lida com evocações, sensitiva nos pormenores de seus personagens anacrônicos, compassiva em revivê-los. O amor da tia - que nunca deveria ter morrido, para não deixar tão só aquele tio delicadíssimo - vem em tintas as mais sensíveis e engraçadas e inspira um profundo respeito. Por modos de ser e de sentir que, infelizmente, acabaram.

O conto que dá título ao livro é ótimo, mas tem um senão: não acho que Valéria precise usar "fluxo de consciência", ceder a esse fetiche da modernidade literária que hoje em dia fede a modernoso e ultrapassado, para, eliminando pontuação, contar uma história como aquela. É a história de um homem obcecado por uma Íbis, uma mulher-ave sagrada que se esquiva à sua máquina fotográfica (ou câmera de cineasta?).

Em "A bicicleta", temos outro pássaro em vôo, um jovem que ama o seu veículo como o personagem de Vittorio De Sica amou aquele, célebre, do cinema....Tema semelhante está na corrida frenética de moto, de um futuro pai para atender ao desejo da mulher grávida, pelas ruas de São Paulo. "Manifesto ou como antigamente"é um brado contra a estupidez monumental e triunfante que nos pisoteia a todo instante neste país, numa mulher que acaba por desistir da Internet, do mundo.

Em "Metamorfose", temos uma pérola do "humour" de Valéria, que é melhor nem revelar - já que o fim é uma delícia -, conto que ela dedica a Frei Betto. Mais humor e graça estão em "É do cinema americano", dedicado a João Batista Brito, crítico de cinema de João Pessoa, onde Valéria reside.

Os pontos altos do livro, para mim, estão em "Ficção" e "O sonho e o tempo". O primeiro nos mostra alguém numa fila de aposentados, e com que perícia Valéria capta os sonhos fracassados dos idosos deste país! O que torna o conto especialmente pungente é que ele trata, além da velhice abandonada, de um dilema universal: como tornar a vida melhor, como fazer com que a ficção vença a intratável, a perversa realidade? O leitor se deparará com a delicadeza e a ironia de Valéria, em força total, no final.

"O sonho e o tempo" mostra, numa harpa, tudo que carregamos de ideal, de artístico, de frágil e obsoleto (porque a realidade sempre é adversa às nossas mais belas fantasias) numa certa harpa, amada por uma personagem a vida inteira, até que...O fato de essa harpa não passar pelo elevador já dá uma dimensão do trabalho de escritora e mulher madura de Valéria. Se o livro se chamasse "A harpa e o elevador" teria sido também muito apropriado. Valéria tem a sorte de concluir o livro com um belo conto, "Melodrama ou a noiva da noite", em tom de tragédia dentro no Carnaval, com um desfecho muito engenhoso.

Recomendo o livro aos que não conhecem a Maria Valéria Rezende romancista, porque, a partir desses contos, vão sair à procura da "Guará..." e encontrar dois pássaros que voaram altíssimo, apesar de sua pobreza, no primeiro romance da escritora santista. Mas, os de seu livro de contos alçam grandes vôos também, e, alguns, Valéria consegue pegar. Tendo a generosidade de abrir a sua mão para mostrar para nós.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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